Exercitar a misericórdia e o perdão (Mt 18, 21-35)
1 de março de 2016Dando voz ao mudo (Lc 11, 14-23)
3 de março de 2016— Não pensem que eu vim para acabar com a Lei de Moisés ou com os ensinamentos dos Profetas. Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: enquanto o céu e a terra durarem, nada será tirado da Lei — nem a menor letra, nem qualquer acento. E assim será até o fim de todas as coisas. Portanto, qualquer um que desobedecer ao menor mandamento e ensinar os outros a fazerem o mesmo será considerado o menor no Reino do Céu. Por outro lado, quem obedecer à Lei e ensinar os outros a fazerem o mesmo será considerado grande no Reino do Céu.
O trecho do evangelho proposto para hoje é muito duro e seu rigor pode nos intimidar a buscar um entendimento mais profundo. Portanto, peçamos ao Espírito Santo que venha em nosso auxílio e nos ajude a compreender o que esta palavra quer nos dizer hoje, no momento histórico em que vivemos, em nosso contexto pessoal, familiar, comunitário e social.
Ao rezar este trecho do evangelho, dois extremos possíveis, de vivência espiritual, me vêm a mente: um, relativo às pessoas que não conseguem escolher uma religião para seguir e que ficam pulando de um lado para outro, buscando um pouquinho aqui e acolá, criando uma colcha de retalhos espirituais na qual possam acomodar seus conflitos; outro, relativo às pessoas que escolheram uma religião, que têm suas leis e normas claramente decoradas e julgam tudo com muita tranquilidade, segundo seus princípios infalíveis.
Qual posição ocupamos entre estes dois extremos?
No trecho do evangelho de hoje, percebo Jesus dirigindo sua mensagem para nos ajudar a tomarmos uma posição que seja mais coerente com a vida plena que Ele nos deseja.
Deus se revelou a seu povo e junto com ele construiu uma história. A Lei de Moisés e o ensinamento dos Profetas são fruto dessa história e não podem ser desconsiderados ou esquecidos.
Importa tomarmos consciência de que a palavra de Deus é eterna. Tudo o que Ele comunicou durante a história de seu povo é para sempre. Quando nos deparamos com textos muito duros de serem lidos e entendidos, temos uma enorme tentação de saltá-los, de nos esquecermos deles.
Jesus chama a nossa atenção para a tentação de relativizarmos o que nos custa mais. Nesse sentido, o texto é muito duro: “nada será tirado da Lei — nem a menor letra, nem qualquer acento. E assim será até o fim de todas as coisas”. Portanto, não há o que possamos relativizar.
Contudo, há duas chaves importantes para não cairmos no outro extremo e sermos tentados a impor uma dureza insuportável ao cumprimento da Lei.
A primeira chave é a vida de Jesus. Ela é quem dá o sentido completo a tudo que existe. Razão pela qual Ele nos diz no texto de hoje: “Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo”. Nossa compreensão sobre qualquer ponto da Lei, sobre qualquer coisa que existe é alargada se olhamos para ela através da vida de Jesus.
A segunda chave vem de uma leitura mais atenta do texto, que num primeiro momento pode nos passar desapercebida. Jesus subordina o ensinamento da Lei à sua obediência, ou à sua prática, como aparece em outras traduções.
Esta é uma beleza que se destaca na vida de Jesus: seus ensinamentos possuem autoridade, pois Ele ensina aquilo que pratica. Não faz como os fariseus e os mestres da Lei. Da mesma forma, Ele quer nos estimular a fazer. Pratiquem a Lei, pratiquem o amor e ensinem, a partir daí, os outros a fazerem o mesmo.
Jesus sabe que, ao praticar, conheceremos as dificuldades, as tentações e os medos. Saberemos o quanto é difícil carregar a cruz e não seremos duros de coração para ensinar aos outros. Carregaremos as marcas do coração meigo, humilde e sereno do Mestre. Praticar é entrar em sintonia com o próprio Jesus. Ao moldar nosso coração ao coração de Jesus, a prática da Lei se torna muito mais leve. Não mataremos só para cumprir a Lei, mas antes porque aprendemos a amar nossos inimigos e a bendizer a quem nos amaldiçoa. Não furtaremos apenas para cumprir um mandamento, mas porque aprendemos a dividir dois peixes e cinco pães com uma multidão de cinco mil homens, aprendemos a entregar a túnica a quem nos tomou o manto.
Na primeira leitura de hoje, quando Moisés está entregando a Lei ao povo, ele diz assim: “Mas toma cuidado! Procura com grande zelo não te esqueceres de tudo o que viste com os próprios olhos, e nada deixes escapar do teu coração por todos os dias de tua vida; antes, ensina-o a teus filhos e netos” (Dt 4,9 – tradução CNBB).
Este versículo chamou minha atenção, pois é a maneira prática com que Maria, mãe de Jesus, vivia a Palavra de Deus, tudo ela guardava no coração. O coração é o espaço onde podemos guardar com segurança aquilo que não queremos que se perca. Neste sentido a leitura orante diária deve ir fixando a Palavra em nosso coração, para que ela seja a guia de nossas ações diárias. Tudo que está guardado em um coração que está próximo de Deus é transformado pelo amor.
Que o Espírito Santo nos guie para que estes minutos diários de oração com a Palavra possam nos manter mais próximos e íntimos de Jesus e que o cumprimento da Lei seja consequência de um amor maior que arde em nossos corações. Amém!
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João Batista Pereira Ferreira – Família Missionária Verbum Dei – Belo Horizonte