Envio, missão e encontro
29 de março de 2018“Quem removerá a pedra para nós?” (Mc 16, 1-7)
31 de março de 2018Depois de fazer essa oração, Jesus saiu com os discípulos e foi para o outro lado do riacho de Cedrom. Havia ali um jardim, onde Jesus entrou com eles. Judas, o traidor, conhecia aquele lugar porque Jesus tinha se reunido muitas vezes ali com os discípulos. Então Judas foi ao jardim com um grupo de soldados e alguns guardas do Templo mandados pelos chefes dos sacerdotes e pelos fariseus. Eles estavam armados e levavam lanternas e tochas. Jesus sabia de tudo o que lhe ia acontecer. Por isso caminhou na direção deles e perguntou:
— Quem é que vocês estão procurando?
— Jesus de Nazaré! — responderam.
— Sou eu! — disse Jesus.
Judas, o traidor, estava com eles. Quando Jesus disse: “Sou eu”, eles recuaram e caíram no chão. Jesus perguntou outra vez:
— Quem é que vocês estão procurando?
— Jesus de Nazaré! — tornaram a responder.
Jesus disse:
— Já afirmei que sou eu. Se é a mim que vocês procuram, então deixem que estes outros vão embora!
Jesus disse isso para que se cumprisse o que ele tinha dito antes: “Pai, de todos aqueles que me deste, nenhum se perdeu.”
Aí Simão Pedro tirou a espada, atacou um empregado do Grande Sacerdote e cortou a orelha direita dele. O nome do empregado era Malco. Mas Jesus disse a Pedro:
— Guarde a sua espada! Por acaso você pensa que eu não vou beber o cálice de sofrimento que o Pai me deu?
Em seguida os soldados, o comandante e os guardas do Templo prenderam Jesus e o amarraram. Então o levaram primeiro até a casa de Anás. Anás era o sogro de Caifás, que naquele ano era o Grande Sacerdote. Caifás era quem tinha dito aos líderes judeus que era melhor para eles que morresse apenas um homem pelo povo.
Simão Pedro foi seguindo Jesus, junto com outro discípulo. Esse discípulo era conhecido do Grande Sacerdote e por isso conseguiu entrar no pátio da casa dele junto com Jesus. Mas Pedro ficou do lado de fora, perto da porta. O outro discípulo, que era conhecido do Grande Sacerdote, saiu e falou com a empregada que tomava conta da porta. Então ela deixou Pedro entrar e lhe perguntou:
— Você não é um dos seguidores daquele homem?
— Eu, não! — respondeu ele.
Por causa do frio, os empregados e os guardas tinham feito uma fogueira e estavam se aquecendo de pé, em volta dela. Pedro estava de pé, no meio deles, aquecendo-se também.
O Grande Sacerdote fez algumas perguntas a Jesus a respeito dos seus seguidores e dos seus ensinamentos. E Jesus respondeu:
— Eu sempre falei a todos publicamente. Ensinava nas sinagogas e no pátio do Templo, onde o povo se reúne, e nunca disse nada em segredo. Então, por que o senhor está me fazendo essas perguntas? Pergunte aos que me ouviram, pois eles sabem muito bem o que eu disse a eles.
Quando Jesus disse isso, um dos guardas do Templo que estavam ali deu-lhe uma bofetada e disse:
— Isso é maneira de falar com o Grande Sacerdote?
— Se eu disse alguma mentira, prove que menti! — respondeu Jesus. — Mas, se eu falei a verdade, por que é que você está me batendo?
Depois Anás mandou Jesus, ainda amarrado, para Caifás, o Grande Sacerdote.
Pedro ainda estava lá, de pé, aquecendo-se perto do fogo. Então lhe perguntaram:
— Você não é um dos seguidores daquele homem?
— Não, eu não sou! — respondeu ele.
Um dos empregados do Grande Sacerdote, parente do homem de quem Pedro tinha cortado a orelha, perguntou:
— Será que eu não vi você com ele no jardim?
E outra vez Pedro disse que não.
E no mesmo instante o galo cantou.
Depois levaram Jesus da casa de Caifás para o palácio do Governador romano. Já era de manhã cedo. Os líderes judeus não entraram no palácio porque queriam continuar puros, conforme a religião deles; pois só assim poderiam comer o jantar da Páscoa. Então o governador Pilatos saiu, foi encontrar-se com eles e perguntou:
— Que acusação vocês têm contra este homem?
Eles responderam:
— O senhor acha que nós lhe entregaríamos este homem se ele não tivesse cometido algum crime?
Pilatos disse:
— Levem este homem e o julguem vocês mesmos, de acordo com a lei de vocês.
Então eles responderam:
— Nós não temos o direito de matar ninguém.
Isso aconteceu assim para que se cumprisse o que Jesus tinha dito quando falou a respeito de como ia morrer .
Pilatos tornou a entrar no palácio, chamou Jesus e perguntou:
— Você é o rei dos judeus?
Jesus respondeu:
— Esta pergunta é do senhor mesmo ou foram outras pessoas que lhe disseram isso a meu respeito?
— Por acaso eu sou judeu? — disse Pilatos. — A sua própria gente e os chefes dos sacerdotes é que o entregaram a mim. O que foi que você fez?
Jesus respondeu:
— O meu Reino não é deste mundo! Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus seguidores lutariam para não deixar que eu fosse entregue aos líderes judeus. Mas o fato é que o meu Reino não é deste mundo!
— Então você é rei? — perguntou Pilatos.
— É o senhor que está dizendo que eu sou rei! — respondeu Jesus. — Foi para falar da verdade que eu nasci e vim ao mundo. Quem está do lado da verdade ouve a minha voz.
— O que é a verdade? — perguntou Pilatos.
Depois de dizer isso, Pilatos saiu outra vez para falar com a multidão e disse:
— Não vejo nenhum motivo para condenar este homem. Mas, de acordo com o costume de vocês, eu sempre solto um prisioneiro na ocasião da Páscoa. Vocês querem que eu solte para vocês o rei dos judeus?
Todos começaram a gritar:
— Não, ele não! Nós queremos que solte Barrabás!
Acontece que esse Barrabás era um criminoso.
Aí Pilatos mandou chicotear Jesus. Depois os soldados fizeram uma coroa de ramos cheios de espinhos, e a puseram na cabeça dele, e o vestiram com uma capa vermelha. Chegavam perto dele e diziam:
— Viva o rei dos judeus!
E davam bofetadas nele. Aí Pilatos saiu outra vez e disse para a multidão:
— Escutem! Vou trazer o homem aqui para que vocês saibam que não encontro nenhum motivo para condená-lo!
Então Jesus saiu com a coroa de espinhos na cabeça e vestido com a capa vermelha.
— Vejam! Aqui está o homem! — disse Pilatos.
Quando os chefes dos sacerdotes e os guardas do Templo viram Jesus, começaram a gritar:
— Crucifica! Crucifica!
— Vocês que o levem e o crucifiquem! Eu não encontro nenhum motivo para condenar este homem! — repetiu Pilatos.
A multidão respondeu:
— Nós temos uma Lei, e ela diz que este homem deve morrer porque afirma que é o Filho de Deus.
Quando Pilatos ouviu isso, ficou com mais medo ainda. Entrou outra vez no palácio e perguntou a Jesus:
— De onde você é?
Mas Jesus não respondeu nada. Então Pilatos disse:
— Você não quer falar comigo? Lembre que eu tenho autoridade tanto para soltá-lo como para mandar crucificá-lo.
Jesus respondeu:
— O senhor só tem autoridade sobre mim porque ela lhe foi dada por Deus. Por isso aquele que me entregou ao senhor é culpado de um pecado maior.
Depois disso Pilatos quis soltar Jesus. Mas a multidão gritou:
— Se o senhor soltar esse homem, não é amigo do Imperador! Pois quem diz que é rei é inimigo do Imperador!
Quando Pilatos ouviu isso, trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado “Calçada de Pedra”. (Em hebraico o nome desse lugar é “Gabatá”.) Era quase meio-dia da véspera da Páscoa. Pilatos disse para a multidão:
— Aqui está o rei de vocês!
Mas eles gritaram:
— Mata! Mata! Crucifica!
Então Pilatos perguntou:
— Querem que eu crucifique o rei de vocês?
Mas os chefes dos sacerdotes responderam:
— O nosso único rei é o Imperador!
Então Pilatos entregou Jesus aos soldados para ser crucificado, e eles o levaram.
Jesus saiu carregando ele mesmo a cruz para o lugar chamado Calvário. (Em hebraico o nome desse lugar é “Gólgota”.)
Ali os soldados pregaram Jesus na cruz. E crucificaram também outros dois homens, um de cada lado dele. Pilatos mandou escrever um letreiro e colocá-lo na parte de cima da cruz. Nesse letreiro estava escrito em hebraico, latim e grego: “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”. Muitas pessoas leram o letreiro porque o lugar em que Jesus foi crucificado ficava perto da cidade. Então os chefes dos sacerdotes disseram a Pilatos:
— Não escreva: “Rei dos Judeus”; escreva: “Este homem disse: Eu sou o Rei dos Judeus”.
— O que escrevi escrevi! — respondeu Pilatos.
Depois que os soldados crucificaram Jesus, pegaram as roupas dele e dividiram em quatro partes, uma para cada um. Mas a túnica era sem costura, toda tecida numa só peça de alto a baixo. Por isso os soldados disseram uns aos outros:
— Não vamos rasgar a túnica. Vamos tirar a sorte para ver quem fica com ela.
Isso aconteceu para que se cumprisse o que as Escrituras Sagradas dizem:
“Repartiram entre si as minhas roupas
e fizeram sorteio da minha túnica.”
E foi isso o que os soldados fizeram.
Perto da cruz de Jesus estavam a sua mãe, e a irmã dela, e Maria, a esposa de Clopas, e também Maria Madalena. Quando Jesus viu a sua mãe e perto dela o discípulo que ele amava, disse a ela:
— Este é o seu filho.
Em seguida disse a ele:
— Esta é a sua mãe.
E esse discípulo levou a mãe de Jesus para morar dali em diante na casa dele.
Agora Jesus sabia que tudo estava completado. Então, para que se cumprisse o que dizem as Escrituras Sagradas, disse:
— Estou com sede!
Havia ali uma vasilha cheia de vinho comum. Molharam no vinho uma esponja, puseram a esponja num bastão de hissopo e a encostaram na boca de Jesus. Quando ele tomou o vinho, disse:
— Tudo está completado!
Então baixou a cabeça e morreu.
Então os líderes judeus pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas dos que tinham sido crucificados e mandasse tirá-los das cruzes. Pediram isso porque era sexta-feira e não queriam que, no sábado, os corpos ainda estivessem nas cruzes. E aquele sábado era especialmente santo. Os soldados foram e quebraram as pernas do primeiro homem que tinha sido crucificado com Jesus e depois quebraram as pernas do outro. Mas, quando chegaram perto de Jesus, viram que ele já estava morto e não quebraram as suas pernas. Porém um dos soldados furou o lado de Jesus com uma lança. No mesmo instante saiu sangue e água.
Quem viu isso contou o que aconteceu para que vocês também creiam. O que ele disse é verdade, e ele sabe que fala a verdade. Isso aconteceu para que se cumprisse o que as Escrituras Sagradas dizem: “Nenhum dos seus ossos será quebrado.” E em outro lugar as Escrituras Sagradas dizem: “Eles olharão para aquele a quem atravessaram com a lança.”
Depois disso, José, da cidade de Arimateia, pediu licença a Pilatos para levar o corpo de Jesus. (José era seguidor de Jesus, mas em segredo porque tinha medo dos líderes judeus.) Pilatos deu licença, e José foi e retirou o corpo de Jesus. Nicodemos, aquele que tinha ido falar com Jesus à noite, foi com José, levando uns trinta e cinco quilos de uma mistura de aloés e mirra. Os dois homens pegaram o corpo de Jesus e o enrolaram em lençóis nos quais haviam espalhado essa mistura. Era assim que os judeus preparavam os corpos dos mortos para serem sepultados.
No lugar onde Jesus tinha sido crucificado havia um jardim com um túmulo novo onde ninguém ainda tinha sido colocado. Puseram ali o corpo de Jesus porque o túmulo ficava perto e também porque o sábado dos judeus ia começar logo.
Que neste dia em que celebramos a morte de Nosso Senhor, o Espírito Santo possa nos ajudar a dar mais um passo em direção ao amadurecimento de nossa compreensão sobre tão grande mistério e nos ajude na aceitação de nossas dores, nossas cruzes e nossos fracassos, com a força do grão que, ao cair por terra e morrer, tem o poder de se renovar e dar muitos frutos.
Senhor, ao colocar-me aqui, de coração aberto, para escutar o que você tem para me dizer, deixo-me interpelar pelo que significa: “Pai, de todos aqueles que me deste, nenhum se perdeu”.
Há outras traduções que dizem: “não perdi nenhum daqueles que me confiaste”, acentuando-se, assim, sua responsabilidade sobre o caminho de quem o segue.
Essa afirmação chamou minha atenção por dois motivos principais. Primeiramente, porque precisamos entender como encaixar Judas Iscariotes nesse contexto e, depois, porque me vieram à mente as inúmeras vidas descartadas – poderíamos também dizer, perdidas – pela violência, tema ao qual fomos chamados a refletir durante a quaresma na Campanha da Fraternidade, cujo tema, “Fraternidade e a superação da violência”, parece somente ter respaldo se todos viverem segundo seu lema “Vós sois todos irmãos” (Mt 23, 8).
Em uma relação amorosa, na qual se cultiva e se dá valor à plena liberdade, existe a expectativa de que ela se mantenha calcada no cuidado mútuo. Caso o cuidado deixe de ser observado por uma das partes, o elo poderá se romper e, mesmo que uma das partes tenha o desejo de manter a relação, ela deixará de existir.
Na parábola do Pai misericordioso (cf. Lc 15,11-32), o filho mais jovem quis romper a relação, desejou partir. O pai nada pôde fazer, a não ser manter a esperança de que a força do amor seria mais forte e traria o filho de volta. No retorno do filho mais jovem, uma vez mais o Pai passa a contar apenas com a força do amor na esperança de que o filho mais velho compreenda a importância de festejar a volta do irmão que “estava perdido”. Jesus interrompe seu conto, sem dizer o que aconteceria. Talvez, para que cada um de nós experimente as dores do irmão mais velho e teça um belo final para seu conto particular.
No contexto da liturgia de hoje, Judas entrega Jesus e rompe a relação de amor. Ao cair na real, ele não suporta a dor de ter se afastado do amor de Jesus e se enforca (cf. Mt 27,4-5). Ao contrário de Judas, Pedro, após perceber que se afastava do amor do Mestre, tendo-o negado por três vezes, chora amargamente (cf. Lc 22,62) e consegue, como o filho mais jovem da parábola, retornar para refazer a relação amorosa.
Praticamente todos os discípulos que seguiam Jesus o abandonaram e, provavelmente, muitos choraram amargamente por não terem conseguido segui-lo até a cruz. Todos os que voltaram puderam reatar a relação amorosa, afinal, Jesus, como o pai na parábola, esperava desejosamente pelo retorno de todos.
Jesus coloca toda sua confiança no amor. Em seus diálogos, tanto com Pedro como com Judas, não se vê traços de nenhum tipo de violência que coíba a liberdade do outro. Apesar de ele saber que haverá a traição e a negação por parte de seus dois amigos, o amor lhe impõe a aceitação da liberdade do outro. Nenhum dos que o Pai lhe deu ele perdeu, pois foram colocados debaixo do mesmo amor, que a ninguém exclui. Todos são cuidados e acompanhados com o mesmo amor que não se cansa de chamar a atenção com muito carinho, embora firmemente, como feito com Judas e com Pedro. É um tipo de amor que mantém a esperança de que sua força é mais poderosa que a morte e acabará prevalecendo sobre o mal. Um tipo de amor que trata cada um como único. Cada um recebe um olhar particular com a dose de cuidado de que necessita.
Que resposta nós temos para um amor tão grande assim? Um Amor que se entrega totalmente, até o fim, a cada um?
Esse modelo de amor, que evita qualquer tipo de violência e que cuida de cada um com um olhar particular para suas necessidades, Jesus nos deixa como exemplo para o amor que devemos ter para com todos: “Eu lhes dou este novo mandamento: amem uns aos outros. Assim como eu os amei, amem também uns aos outros” (Jo 13,34).
“Vós sois todos irmãos”.
Essa condição básica do cristianismo, à qual aderimos todas as vezes que rezamos com consciência o “Pai nosso”, é ou deveria ser a nossa bússola.
Cada uma de nossas ações precisa levar em conta que o outro é nosso irmão e que precisamos amá-lo como Jesus nos amou.
Colocado assim, podemos nos perguntar: por que algo tão simples de falar e entender é tão difícil de viver?
São Paulo dizia: “Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero fazer é que eu faço” (Rm 7,19).
Senhor, hoje entendo que a superação de todo mal, a pacificação de toda violência está na cruz. Só conseguimos superar em nós as motivações para o revide violento quando nos voltamos para a cruz. Todas as vezes que conseguimos chorar amargamente por negar o Amor, a exemplo de Pedro, e nos voltamos para a cruz, o Senhor está lá para nos receber e repetir, como no sermão da montanha: “Felizes as pessoas que choram, pois Deus as consolará” (Mt 5, 4). Seu amor por nós continua, não se acaba nunca, mas nós nos afastamos dele e o negamos, então fazemos o mal que não queremos.
Na cruz, Jesus quebra as cadeias da violência. Todo o mal do mundo recebido em seu corpo será pago com o bem, com o perdão de todos os pecados. São Paulo nos exorta, de forma muito clara, a seguir o exemplo de Cristo: “Não deixem que o mal vença vocês, mas vençam o mal com o bem” (Rm 12,21).
Maria, que ao pé da cruz recebeu como filho o discípulo que Jesus amava, acolha-nos a todos como seus filhos e, com este seu amor maternal, ajude-nos a manter o olhar fixo na cruz redentora, de tal forma que consigamos vencer o mal com o bem. Amém!
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João Batista Pereira Ferreira – Família Missionária Verbum Dei – Belo Horizonte