Vocês podem beber o cálice? (Mateus 20, 17, 28)
4 de março de 2015Produzindo e entregando os frutos do Reino (Mateus 21, 33- 43)
6 de março de 2015“Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus:
– Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas.
Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’.
Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. E, além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’.
O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento’. Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!’
O rico insistiu: ‘Não, Pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter’. Mas Abraão lhe disse: `Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’.’
Situação típica, com a qual nos defrontamos a cada esquina, talvez também na esquina da nossa casa, à porta da nossa casa. Situação gritante das nossas cidades, onde vemos tantas pessoas morando nas ruas e casas gigantescas, nas quais há cômodos em que os moradores passam tempos sem ir. Situação absurda do nosso país, no qual a renda média dos 5% mais ricos é 33 vezes maior que a dos 20% mais pobres. Fica a pergunta: quem cria este abismo?
No Evangelho de hoje, Jesus mostra a distância que o homem rico gerou daquele que estava todos os dias à sua porta, bem ao seu alcance: “um grande abismo!” Todos os dias ele fazia festas esplêndidas, vestia roupas finas, e o pobre com sua fome. Seu desejo era comer as sobras que caíam. Será que nem estas chegavam a ele?
Maltratado, ferido, faminto. Conhecemos pessoas assim? Nos deparamos com elas? Quais os nossos sentimentos com relação a elas? Pena? Incômodo? Medo? Impotência? Indiferença? Quais as nossas atitudes? Reclamar do governo? Julgar absurdo o acúmulo das pessoas ricas? Dizer: “Que pena! Não posso fazer nada!” Ou seja, não é conosco? Fazemos perguntas ou afirmações? “Já faço a minha parte!” ou “O que, Senhor, você me chama a fazer?” E o que fazemos? São todas atitudes paliativas e assistencialistas, doar alguma coisa? Elas são necessárias, porque a fome não pode esperar. Mas para cada um que ajudamos vemos cinco que não conseguimos, e isso pode acabar nos tirando a sensibilidade (defesa para viver numa sociedade tão desigual!) Vale a pena a pergunta: “O que Senhor, você me chama a fazer? O que mais? Como posso me comprometer com estes irmãos, como posso ajudar a mudar isto?”
Mudar! Que importante palavra diante do “grande abismo entre nós”! Mudar começa por nós mesmos, reconhecendo em que medida também criamos os abismos, também os cavamos. Quando as nossas opções tocam a nossa vida, não só as nossas coisas, começa a mudança. Em que a minha missão contribui para a transformação? Como me dedico a ela? Como as minhas opções podem ser não só individuais, mas fraternas, não só para mim, mas considerando os irmãos? Aí saímos da impotência para as várias possibilidades (economia de água, de energia, atitudes ecológicas, consumo consciente, oferecer das nossas riquezas aos que têm fome não só de pão, mas de saber, de escuta, de tempo, de atenção…). Afinal, este Lázaro está ao nosso alcance, à nossa porta.
Tirar força do sistema, parar de cavar o abismo é o primeiro passo para poder reconhecer qual o nosso desafio, quais os passos de aproximação, de fraternidade nos cabem. Comer e coçar é só começar? Não apenas. Amar também. A criatividade do amor, quando exercitada, não tem limites. E com ela as pontes são criadas.
Peçamos ao Pai que nos dê a humildade de reconhecer os abismos que criamos e a graça da conversão, para que o mundo de irmãos com o qual sonhamos não seja apenas utopia, mas comece a acontecer na nossa porta. Vida plena!
Tania Pulier