Hoje se cumpriu…
24 de março de 2016Mais uma vez, os pequeninos (Lucas 24,1-12)
26 de março de 2016Leitura: João 18,1-19,42
Naquele tempo: Jesus saiu com os discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Havia aí um jardim, onde ele entrou com os discípulos. Também Judas, o traidor, conhecia o lugar, porque Jesus costumava reunir-se aí com os seus discípulos. Judas levou consigo um destacamento de soldados e alguns guardas dos sumos sacerdotes e fariseus, e chegou ali com lanternas, tochas e armas. Então Jesus, consciente de tudo o que ia acontecer, saiu ao encontro deles e disse: ‘A quem procurais?’ Responderam: ‘A Jesus, o nazareno’. Ele disse: ‘Sou eu’. Judas, o traidor, estava junto com eles. Quando Jesus disse: ‘Sou eu’, eles recuaram e caíram por terra. De novo lhes perguntou: ‘A quem procurais?’ Eles responderam: ‘A Jesus, o nazareno’. Jesus respondeu: ‘Já vos disse que sou eu. Se é a mim que procurais, então deixai que estes se retirem’. Assim se realizava a palavra que Jesus tinha dito: ‘Não perdi nenhum daqueles que me confiaste’. Simão Pedro, que trazia uma espada consigo, puxou dela e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. Então Jesus disse a Pedro: ‘Guarda a tua espada na bainha. Não vou beber o cálice que o Pai me deu?’
Então, os soldados, o comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o amarraram. Conduziram-no primeiro a Anás, que era o sogro de Caifás, o sumo sacerdote naquele ano. Foi Caifás que deu aos judeus o conselho: ‘É preferível que um só morra pelo povo’. Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus. Esse discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote. Pedro ficou fora, perto da porta. Então o outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, conversou com a encarregada da porta e levou Pedro para dentro. A criada que guardava a porta disse a Pedro: ‘Não pertences também tu aos discípulos desse homem?’ Ele respondeu: ‘Não’. Os empregados e os guardas fizeram uma fogueira e estavam-se aquecendo, pois fazia frio. Pedro ficou com eles, aquecendo-se. Entretanto, o sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito de seus discípulos e de seu ensinamento. Jesus lhe respondeu: ‘Eu falei às claras ao mundo. Ensinei sempre na sinagoga e no Templo, onde todos os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas. Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que falei; eles sabem o que eu disse.’ Quando Jesus falou isso, um dos guardas que ali estava deu-lhe uma bofetada, dizendo: ‘É assim que respondes ao sumo sacerdote?’ Respondeu-lhe Jesus: ‘Se respondi mal, mostra em quê; mas, se falei bem, por que me bates?’ Então, Anás enviou Jesus amarrado para Caifás, o sumo sacerdote.
Simão Pedro continuava lá, em pé, aquecendo-se. Disseram-lhe: ‘Não és tu, também, um dos discípulos dele?’ Pedro negou: ‘Não!’ Então um dos empregados do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha cortado a orelha, disse: ‘Será que não te vi no jardim com ele?’ Novamente Pedro negou. E na mesma hora, o galo cantou.
De Caifás, levaram Jesus ao palácio do governador. Era de manhã cedo. Eles mesmos não entraram no palácio, para não ficarem impuros e poderem comer a páscoa. Então Pilatos saiu ao encontro deles e disse: ‘Que acusação apresentais contra este homem?’ Eles responderam: ‘Se não fosse malfeitor, não o teríamos entregue a ti!’ Pilatos disse: ‘Tomai-o vós mesmos e julgai-o de acordo com a vossa lei.’ Os judeus lhe responderam: ‘Nós não podemos condenar ninguém à morte’. Assim se realizava o que Jesus tinha dito, significando de que morte havia de morrer. Então Pilatos entrou de novo no palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe: ‘Tu és o rei dos judeus?’ Jesus respondeu: ‘Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto de mim?’ Pilatos falou: ‘Por acaso, sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?’. Jesus respondeu: ‘O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui.’ Pilatos disse a Jesus: ‘Então tu és rei?’ Jesus respondeu: ‘Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.’ Pilatos disse a Jesus: ‘O que é a verdade?’ Ao dizer isso, Pilatos saiu ao encontro dos judeus, e disse-lhes: ‘Eu não encontro nenhuma culpa nele. Mas existe entre vós um costume, que pela Páscoa eu vos solte um preso. Quereis que vos solte o rei dos Judeus?’ Então, começaram a gritar de novo: ‘Este não, mas Barrabás!’ Barrabás era um bandido.
Então Pilatos mandou flagelar Jesus. Os soldados teceram uma coroa de espinhos e colocaram-na na cabeça de Jesus. Vestiram-no com um manto vermelho, aproximavam-se dele e diziam: ‘Viva o rei dos judeus!’ E davam-lhe bofetadas. Pilatos saiu de novo e disse aos judeus: ‘Olhai, eu o trago aqui fora, diante de vós, para que saibais que não encontro nele crime algum.’ Então Jesus veio para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto vermelho. Pilatos disse-lhes: ‘Eis o homem!’ Quando viram Jesus, os sumos sacerdotes e os guardas começaram a gritar: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’ Pilatos respondeu: ‘Levai-o vós mesmos para o crucificar, pois eu não encontro nele crime algum.’ Os judeus responderam: ‘Nós temos uma Lei, e, segundo esta Lei, ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus’. Ao ouvir estas palavras, Pilatos ficou com mais medo ainda. Entrou outra vez no palácio e perguntou a Jesus: ‘De onde és tu?’ Jesus ficou calado. Então Pilatos disse: ‘Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar?’ Jesus respondeu: ‘Tu não terias autoridade alguma sobre mim, se ela não te fosse dada do alto. Quem me entregou a ti, portanto, tem culpa maior.’
Por causa disso, Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus gritavam: ‘Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César’. Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado ‘Pavimento’, em hebraico ‘Gábata’. Era o dia da preparação da Páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: ‘Eis o vosso rei!’ Eles, porém, gritavam: ‘Fora! Fora! Crucifica-o!’ Pilatos disse: ‘Hei de crucificar o vosso rei?’ Os sumos sacerdotes responderam: ‘Não temos outro rei senão César’. Então Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, e eles o levaram.
Jesus tomou a cruz sobre si e saiu para o lugar chamado ‘Calvário’, em hebraico ‘Gólgota’. Ali o crucificaram, com outros dois: um de cada lado, e Jesus no meio. Pilatos mandou ainda escrever um letreiro e colocá-lo na cruz; nele estava escrito: ‘Jesus o Nazareno, o Rei dos Judeus’. Muitos judeus puderam ver o letreiro, porque o lugar em que Jesus foi crucificado ficava perto da cidade. O letreiro estava escrito em hebraico, latim e grego. Então os sumos sacerdotes dos judeus disseram a Pilatos: ‘Não escrevas ‘O Rei dos Judeus’, mas sim o que ele disse: ‘Eu sou o Rei dos judeus’.’ Pilatos respondeu: ‘O que escrevi, está escrito’.
Depois que crucificaram Jesus, os soldados repartiram a sua roupa em quatro partes, uma parte para cada soldado. Quanto à túnica, esta era tecida sem costura, em peça única de alto a baixo. Disseram então entre si: ‘Não vamos dividir a túnica. Tiremos a sorte para ver de quem será’. Assim se cumpria a Escritura que diz: ‘Repartiram entre si as minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha túnica’. Assim procederam os soldados.
Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: ‘Mulher, este é o teu filho’. Depois disse ao discípulo: ‘Esta é a tua mãe’. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.
Depois disso, Jesus, sabendo que tudo estava consumado, e para que a Escritura se cumprisse até o fim, disse: ‘Tenho sede’. Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram numa vara uma esponja embebida de vinagre e levaram-na à boca de Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: ‘Tudo está consumado’. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
Era o dia da preparação para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque aquele sábado era dia de festa solene. Então pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados foram e quebraram as pernas de um e depois do outro que foram crucificados com Jesus. Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu, dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para que vós também acrediteis. Isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: ‘Não quebrarão nenhum dos seus ossos’. E outra Escritura ainda diz: ‘Olharão para aquele que transpassaram’.
Depois disso, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus – mas às escondidas, por medo dos judeus – pediu a Pilatos para tirar o corpo de Jesus. Pilatos consentiu. Então José veio tirar o corpo de Jesus. Chegou também Nicodemos, o mesmo que antes tinha ido a Jesus de noite. Trouxe uns trinta quilos de perfume feito de mirra e aloés. Então tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no, com os aromas, em faixas de linho, como os judeus costumam sepultar. No lugar onde Jesus foi crucificado, havia um jardim e, no jardim, um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. Por causa da preparação da Páscoa, e como o túmulo estava perto, foi ali que colocaram Jesus.
Oração: Sou eu
No texto de hoje, que contém a Paixão de Jesus, podemos identificar um contraste de “humanidades”: a humanidade de Jesus versus a humanidade de Pedro. O mundo sempre tende a nos moldar por regras, por proibições, mas Deus enviou seu único filho para, dentre tantas outras coisas, nos mostrar uma nova orientação: o exemplo. Digo isso porque a mensagem de Jesus não se fez em palavras de condenação, mas, especialmente, em gestos e ações de amor e coerência, que nos convidam a copiá-lo frente às mais diversas situações. Sendo assim, a partir da situação de angústia e sofrimento da iminente morte de cruz, é importante refletirmos e compararmos a atitude de Pedro, que exemplifica toda a fraqueza humana, e a atitude de Jesus, que aponta a plenitude que a nossa fraca humanidade pode alcançar.
Em certo momento, Jesus acabara de ser preso e levado para a casa do sumo sacerdote, para ser interrogado. Dois discípulos o seguiram, sendo um deles Pedro. Quando Pedro obteve permissão para entrar na casa, a mulher que vigiava a porta o reconheceu como discípulo de Jesus. Ela lhe perguntou: “Você não é um dos discípulos desse homem?” Imagino que a pergunta da mulher era puramente retórica, pois todos deviam saber que Pedro era aquele discípulo que não saía do pé de seu mestre. De fato, Pedro estava com Jesus em praticamente todos os momentos, inclusive quando o grupo de discípulos era reduzido, como aconteceu no episódio da transfiguração. Entretanto, apesar de a vida de Pedro ser entrelaçada com a de Jesus, ele o negou: “Não sou”. Podemos imaginar que a situação era de extrema aflição, de sofrimento, pois separaram Pedro de seu Senhor. Diante dessa separação, predominou o medo de Pedro, de que o condenassem junto com seu mestre. Então a resposta de Pedro foi de negação e, com isso, havia rejeitado sua própria história, sua própria vida.
Muitas vezes nos parecemos com Pedro, pois nos consideramos seguidores de Cristo, e fazemos de tudo para que nos vejam com Ele. Queremos participar de todas as missas, de todos os grupos de oração, de todos os movimentos pastorais e andamos com o terço nas mãos, crucifixo no pescoço… Apesar disso, quando passamos por situações angustiantes, conflituosas, em casa com a família, no trabalho ou escola, negamos toda essa vida de “santidade”. É necessário entendermos que, verdadeiramente, negamos Jesus quando não assumimos sua presença em nosso coração, em nossa mente e, desse modo, não refletimos essa presença de Cristo nos mais diversos ambientes que frequentamos.
Pedro ainda negou Jesus mais duas vezes: “Não sou”. Então, por três vezes o mais fiel discípulo de Cristo quis desvincular sua vida daquele que dizia amar. E de fato o amava mesmo, tanto que depois morreria também crucificado, em consequência de sua fidelidade, amando-o até o fim. Pedro foi medroso e fraco, mas por que essa fraqueza foi tão forte? Acredito que boa parte disso tem origem em outra característica marcante do apóstolo: o imediatismo. De fato, Pedro deixava-se ganhar facilmente pela impulsividade. Prova disso é a orelha decepada do servo do sumo sacerdote. Ainda provando o imediatismo, basta lembrarmo-nos também de que, sempre que Jesus perguntava algo aos seus discípulos, lá estava Pedro sendo o primeiro a lançar qualquer resposta. A necessidade de Pedro de se esquivar da provável perseguição daqueles que condenavam a mensagem de Cristo, que ele abraçara, foi decisiva para que ele lhes desse uma resposta rápida e, assim, negasse sua própria vida.
Essa atitude imediatista está também muitas vezes presente em cada um de nós, quando nos deixamos levar por respostas fáceis e rápidas, frente a um problema qualquer. Nesses momentos, e por causa da impulsividade, é que constantemente ferimos os nossos amigos e familiares com palavras carregadas de ódio e rancor. Nossa fraqueza humana é revelada, e nos perdemos do Cristo que deve guiar e inspirar nossas vidas. Estou certo de que não é fácil deixarmo-nos conduzir sempre pela paciência e reflexão, mas Jesus sempre nos alimenta de esperança, e nos mostra que nossa humanidade pode alcançar uma santidade plena, quando observamos seu exemplo.
De modo fantástico, Jesus revela-nos seu exemplo. A situação de Jesus era angustiante, estava muito próximo à sua humilhante morte de cruz. Jesus saiu do local onde estava, e foi de encontro ao seu discípulo delator e à tropa que o acompanhava. Perguntou-lhes: “A quem vocês estão procurando?”. É óbvio que Jesus sabia que estavam o procurando, mas a pergunta foi importante para que Jesus se assumisse. Então o responderam: “Jesus de Nazaré”. A resposta de Jesus foi efusiva: “Sou eu”. Ao contrário de Pedro, Jesus confirmava ali a sua identidade, bem como sua história. Jesus nunca teve medo de se assumir frente ao mundo, porque suas palavras refletiam a coerência de sua vida. Notem que quando Jesus respondeu “Sou eu”, as pessoas que o confrontavam recuaram e caíram por terra, tamanha a força e a coragem dessas palavras. A convicção de Jesus nessa resposta era tanta, que fez questão de repeti-las: “Já disse a vocês que sou eu”. Quero lembrar que Jesus marcadamente assumiu a sua humanidade, era “filho do homem”, e poucas vezes mencionou diretamente a sua divindade. Deixava que as pessoas de seu convívio por elas mesmas percebessem que ele era o “filho de Deus”. Apesar de Jesus ter sofrido tanto no caminho do Calvário, a beleza de assumir sua humanidade coerente até o fim deve ter sido a grande força que fez com que suportasse todas as quedas.
O cantar do galo deve ter sido alto demais para Pedro, ao perceber a profundidade de sua fraqueza. Entretanto, Pedro era pedra, e não se entregou ao grande erro que havia cometido naquele dia. Depois de tanto se lamentar, deve ter se lembrado das muitas outras vezes em que agiu de modo ruim e ainda assim era acolhido pelo amor de Jesus, que o ensinava e o revigorava, especialmente por meio de seu exemplo. O intenso convívio com Jesus deve ter lhe servido de modelo, para que sempre sustentasse sua fé, seu amor e sua esperança.
Jesus também nos deixa seu exemplo de humanidade, a fim de mostrar-nos que somos capazes de elevar nossa fraca condição humana à plena harmonia com Deus. Somos convidados a viver no amor e na alegria perfeita, sobretudo por meio da caridade com nossos irmãos. Precisamos viver a santidade que Deus nos oferece a cada dia, pois somente assim a coerência da nossa vida nos dará coragem suficiente para assumirmos nossa humanidade de filhos de Deus, e todas as coisas tipicamente mundanas recuarão e cairão por terra.
Marcelo H. Camargos – Família Missionária Verbum Dei de Belo Horizonte/MG