O desconforto do bem, do belo, da verdade e da luz…
29 de junho de 2016Quero misericórdia (Mt 9,9-13)
1 de julho de 2016Leitura: Mateus 9, 1-8
Jesus entrou num barco, voltou para o lado oeste do lago e chegou à sua cidade. Então algumas pessoas trouxeram um paralítico deitado numa cama. Jesus viu que eles tinham fé e disse ao paralítico:
— Coragem, meu filho! Os seus pecados estão perdoados.
Aí alguns mestres da Lei começaram a pensar:
— Este homem está blasfemando contra Deus.
Porém Jesus sabia o que eles estavam pensando e disse:
— Por que é que vocês estão pensando essas coisas más? O que é mais fácil dizer ao paralítico: “Os seus pecados estão perdoados” ou “Levante-se e ande”? Pois vou mostrar a vocês que eu, o Filho do Homem, tenho poder na terra para perdoar pecados.
Então disse ao paralítico:
— Levante-se, pegue a sua cama e vá para casa.
O homem se levantou e foi para casa. Quando o povo viu isso, ficou com medo e louvou a Deus por dar esse poder a seres humanos.
Oração:
Estamos diante de uma cena desconcertante do evangelho. Jesus era desconcertante. Vendo um cego, às vezes perguntava: que queres que eu faça? Ora! Que eu veja! (Mc 10, 50-52) Vendo um paralítico, diz-lhe: seus pecados estão perdoados! E caminhar? Sigo perdoado nessa cama? Hoje é dia de revisitar os momentos desconcertantes de Deus conosco… nossas conversas descompassadas, quando Ele fala da água viva e eu da água do poço (Jo 4, 1-26). Cada conversa desconcertante com Deus, cada oração descompassada tem algo muito profundo a nos dizer…
Quando Jesus vê o paralítico que lhe trazem e percebe a fé daqueles homens, surpreende, pois diz apenas: “Coragem, meu filho! Os seus pecados estão perdoados”. Jesus faz isso também porque sabe que está sendo avaliado pelos mestres da Lei. Eles, diante da fala de Jesus, não se solidarizam com a decepção do paralítico e de seus amigos, que teriam de carrega-lo sem pecados para casa. Não, eles se preocuparam com a blasfêmia de Jesus. Quem pode perdoar? Não os homens.
Jesus então começa a desembaraçar o aparente nó que criou. “O que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os seus pecados estão perdoados‘ ou ‘Levante-se e ande‘?” É mais fácil dizer que os pecados estão perdoados porque isso não se confere visualmente. Para revelar que realmente pode perdoar os pecados, Jesus ordena que o paralítico ande. É algo difícil de dizer, pois contraria o que todos estavam acostumados a ver. Tratava-se de grande amostra de poder. O homem se levantou e foi para casa.
O evangelista nos conta que então o povo “ficou com medo e louvou a Deus por dar esse poder a seres humanos”… que poder é esse? Parece estranho, mas é o poder de perdoar. É o poder de imitar Deus em sua misericórdia. Perdoar parece não ser expressão de poder, mas quem se dispõe a perdoar grandes ofensas, verdadeiros danos, sabe que só consegue perdoar quem tem muito poder. Deixar que as lembranças ruins fiquem no passado, não trazer à tona as mágoas e viver confiando na mudança do outro não é para qualquer um. Não desejar que o outro viva a dor que me causou, não querer que sinta ao menos a dor do remorso, não desejar que saiba a medida do meu sofrimento não é para qualquer um. Perdoar é um grande poder. E é um poder que só Deus, quem mais e sempre perdoa, pode nos dar.
E por que exercer esse poder? Por que esse esforço? Às vezes, queremos que Deus nos deixe em paz com nossas brigas, desentendimentos, desavenças, mágoas… Ele não deve saber a dor que eu senti e ainda sinto. Olhando, no entanto, a imagem do evangelho, sinto um forte convite a perdoar. Olho para o paralítico que, curado, sai andando e volta para casa caminhando, e vejo por que quero ter esse poder de perdoar. Vejo que perdoar é permitir que o outro e eu caminhemos livremente. Perdoar é ter novamente o movimento do espírito leve que me permite ir e voltar, subir às alturas às quais Deus me convida. Perdoar é não ser o peso de alguém que tem de ser carregado. Perdoar é poder andar com as próprias pernas e com leveza. E perdoar gera isso em quem é perdoado e em quem perdoa.
Peçamos a Jesus que consigamos perceber o valor e o poder do perdão e que nos arrisquemos a viver com a leveza de quem pode se movimentar sem se travar por qualquer lembrança, mágoa ou remorso… Peçamos a graça de perdoarmos os outros e a graça talvez ainda maior de perdoarmos a nós mesmos.
João Gustavo H. M. Fonseca, Família Verbum Dei de Belo Horizonte