Cálculo ou desmedida? (Mateus 26, 14-25)
12 de abril de 2017Não temais! Alegrai-vos! (Mt 28, 1-10)
15 de abril de 2017Jesus saiu com os discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Havia aí um jardim, onde ele entrou com os discípulos. Também Judas, o traidor, conhecia o lugar, porque Jesus costumava reunir-se aí com os seus discípulos. Judas levou consigo um destacamento de soldados e alguns guardas dos sumos sacerdotes e fariseus, e chegou ali com lanternas, tochas e armas. Então Jesus, consciente de tudo o que ia acontecer, saiu ao encontro deles e disse: ‘A quem procurais?’
Responderam: ‘A Jesus, o nazareno’.
Ele disse: ‘Sou eu’.
Judas, o traidor, estava junto com eles.
Quando Jesus disse: ‘Sou eu’, eles recuaram e caíram por terra.
De novo lhes perguntou:
‘A quem procurais?’
Eles responderam: ‘A Jesus, o nazareno’.
Jesus respondeu: ‘Já vos disse que sou eu. Se é a mim que procurais, então deixai que estes se retirem’.
Assim se realizava a palavra que Jesus tinha dito:
‘Não perdi nenhum daqueles que me confiaste’.
Simão Pedro, que trazia uma espada consigo, puxou dela e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. Então Jesus disse a Pedro:
‘Guarda a tua espada na bainha. Não vou beber o cálice que o Pai me deu?’
Então, os soldados, o comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o amarraram. Conduziram-no primeiro a Anás, que era o sogro de Caifás, o sumo sacerdote naquele ano. Foi Caifás que deu aos judeus o conselho: ‘É preferível que um só morra pelo povo’. Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus. Esse discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote. Pedro ficou fora, perto da porta. Então o outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, conversou com a encarregada da porta e levou Pedro para dentro. A criada que guardava a porta disse a Pedro:
‘Não pertences também tu aos discípulos desse homem?’
Ele respondeu: ‘Não’.
Os empregados e os guardas fizeram uma fogueira e estavam-se aquecendo, pois fazia frio. Pedro ficou com eles, aquecendo-se. Entretanto, o sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito de seus discípulos e de seu ensinamento.
Jesus lhe respondeu:
‘Eu falei às claras ao mundo. Ensinei sempre na sinagoga e no Templo, onde todos os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas. Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que falei; eles sabem o que eu disse.’
Quando Jesus falou isso, um dos guardas que ali estava deu-lhe uma bofetada, dizendo:
‘É assim que respondes ao sumo sacerdote?’
Respondeu-lhe Jesus: ‘Se respondi mal, mostra em quê; mas, se falei bem, por
que me bates?’
Então, Anás enviou Jesus amarrado para Caifás, o sumo sacerdote.
Simão Pedro continuava lá, em pé, aquecendo-se. Disseram-lhe:
‘Não és tu, também, um dos discípulos dele?’
Pedro negou: ‘Não!’
Então um dos empregados do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha cortado a orelha, disse: ‘Será que não te vi no jardim com ele?’ Novamente Pedro negou. E na mesma hora, o galo cantou.
De Caifás, levaram Jesus ao palácio do governador. Era de manhã cedo. Eles mesmos não entraram no palácio, para não ficarem impuros e poderem comer a páscoa. Então Pilatos saiu ao encontro deles e disse:
‘Que acusação apresentais contra este homem?’
Eles responderam: ‘Se não fosse malfeitor, não o teríamos entregue a ti!’
Pilatos disse: ‘Tomai-o vós mesmos e julgai-o de acordo com a vossa lei.’
Os judeus lhe responderam:
‘Nós não podemos condenar ninguém à morte’.
Assim se realizava o que Jesus tinha dito, significando de que morte havia de morrer. Então Pilatos entrou de novo no palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe:
‘Tu és o rei dos judeus?’
Jesus respondeu: ‘Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto de mim?’
Pilatos falou: ‘Por acaso, sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?’.
Jesus respondeu: ‘O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui.’
Pilatos disse a Jesus: ‘Então tu és rei?’
Jesus respondeu: ‘Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.’
Pilatos disse a Jesus: ‘O que é a verdade?’
Ao dizer isso, Pilatos saiu ao encontro dos judeus, e disse-lhes: ‘Eu não encontro nenhuma culpa nele. Mas existe entre vós um costume, que pela Páscoa eu vos solte um preso. Quereis que vos solte o rei dos Judeus?’
Então, começaram a gritar de novo:
‘Este não, mas Barrabás!’ Barrabás era um bandido.
Então Pilatos mandou flagelar Jesus. Os soldados teceram uma coroa de espinhos e colocaram-na na cabeça de Jesus. Vestiram-no com um manto vermelho, aproximavam-se dele e diziam: ‘Viva o rei dos judeus!’ E davam-lhe bofetadas. Pilatos saiu de novo e disse aos judeus:
‘Olhai, eu o trago aqui fora, diante de vós, para que saibais que não encontro nele crime algum.’
Então Jesus veio para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto vermelho.
Pilatos disse-lhes: ‘Eis o homem!’
Quando viram Jesus, os sumos sacerdotes e os guardas começaram a gritar: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’
Pilatos respondeu: ‘Levai-o vós mesmos para o crucificar, pois eu não encontro nele crime algum.’
Os judeus responderam: ‘Nós temos uma Lei, e, segundo esta Lei, ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus’.
Ao ouvir estas palavras, Pilatos ficou com mais medo ainda. Entrou outra vez no palácio e perguntou a Jesus: ‘De onde és tu?’
Jesus ficou calado.
Então Pilatos disse: ‘Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar?’
Jesus respondeu:
‘Tu não terias autoridade alguma sobre mim, se ela não te fosse dada do alto. Quem me entregou a ti, portanto, tem culpa maior.’
Por causa disso, Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus gritavam:
‘Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César’.
Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado ‘Pavimento’, em hebraico ‘Gábata’. Era o dia da preparação da Páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: ‘Eis o vosso rei!’
Eles, porém, gritavam: ‘Fora! Fora! Crucifica-o!’
Pilatos disse: ‘Hei de crucificar o vosso rei?’
Os sumos sacerdotes responderam:
‘Não temos outro rei senão César’.
Então Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, e eles o levaram.
Jesus tomou a cruz sobre si e saiu para o lugar chamado ‘Calvário’, em hebraico ‘Gólgota’. Ali o crucificaram, com outros dois: um de cada lado, e Jesus no meio. Pilatos mandou ainda escrever um letreiro e colocá-lo na cruz; nele estava escrito: ‘Jesus o Nazareno, o Rei dos Judeus’. Muitos judeus puderam ver o letreiro, porque o lugar em que Jesus foi crucificado ficava perto da cidade. O letreiro estava escrito em hebraico, latim e grego. Então os sumos sacerdotes dos judeus disseram a Pilatos: ‘Não escrevas ‘O Rei dos Judeus’, mas sim o que ele disse: ‘Eu sou o Rei dos judeus’.’ Pilatos respondeu: ‘O que escrevi, está escrito’.
Depois que crucificaram Jesus, os soldados repartiram a sua roupa em quatro partes, uma parte para cada soldado. Quanto à túnica, esta era tecida sem costura, em peça única de alto a baixo. Disseram então entre si: ‘Não vamos dividir a túnica. Tiremos a sorte para ver de quem será’. Assim se cumpria a Escritura que diz: ‘Repartiram entre si as minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha túnica’. Assim procederam os soldados.
Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: ‘Mulher, este é o teu filho’. Depois disse ao discípulo: ‘Esta é a tua mãe’. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.
Depois disso, Jesus, sabendo que tudo estava consumado, e para que a Escritura se cumprisse até o fim, disse:
‘Tenho sede’.
Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram numa vara uma esponja embebida de vinagre e levaram-na à boca de Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: ‘Tudo está consumado’.
E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
Era o dia da preparação para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque aquele sábado era dia de festa solene. Então pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados foram e quebraram as pernas de um e depois do outro que foram crucificados com Jesus. Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu, dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para que vós também acrediteis. Isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz: ‘Não quebrarão nenhum dos seus ossos’.
E outra Escritura ainda diz: ‘Olharão para aquele que transpassaram’.
Depois disso, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus – mas às escondidas, por medo dos judeus – pediu a Pilatos para tirar o corpo de Jesus. Pilatos consentiu. Então José veio tirar o corpo de Jesus. Chegou também Nicodemos, o mesmo que antes tinha ido a Jesus de noite. Trouxe uns trinta quilos de perfume feito de mirra e aloés. Então tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no, com os aromas, em faixas de linho, como os judeus costumam sepultar. No lugar onde Jesus foi crucificado, havia um jardim e, no jardim, um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. Por causa da preparação da Páscoa, e como o túmulo estava perto, foi ali que colocaram Jesus.
“Jesus, consciente de tudo o que ia acontecer…”
Dê-nos, Senhor, a consciência necessária de sua presença, para fazermos um autêntico momento de oração com a Palavra.
É muito comum, ao ouvirmos pregações sobre a paixão, morte e ressurreição de Cristo, formarmos uma ideia de que Deus enviou seu filho para morrer na cruz, como se a vontade de Deus fosse esta: o sofrimento e a morte numa cruz para seu filho. Ora, esta ideia pode criar uma imagem de Deus que não se ajusta, de nenhuma forma, à imagem do Pai que Jesus nos mostrou em toda a sua vida.
O Deus revelado por Jesus é todo misericordioso, é sensível e deseja o bem de todos. É Ele que “faz o sol nascer sobre maus e bons e a chuva cair sobre justos e injustos” (Mt 5, 45). Como poderia o Deus de amor enviar seu filho para sofrer?
Deus não enviou seu filho para sofrer, mas sim para amar até o fim. O evangelista João inicia o que se costumou chamar o livro da glorificação, (Jo 13,1 – 20,31) com esta afirmação: “Jesus, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.
Não querer o sofrimento não é motivo para deixar de amar. Na verdade, negar o amor, na tentativa de evitar um sofrimento, traz sofrimentos muito maiores. O sofrimento de Pedro, ao negar Jesus, só foi apaziguado porque desaguou na misericórdia infinita de Deus.
Jesus vive integralmente o plano de Deus para a humanidade, ensinando-nos que, diante do amor, a morte não tem a última palavra. Como nos diz a 1a. leitura do profeta Isaías: “o meu Servo será bem sucedido; sua ascensão será ao mais alto grau”.
O mundo não aceitou o amor. João inicia seu relato do evangelho dizendo isso: “a palavra estava no mundo, o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a conheceu. Ela veio para a sua casa, mas os seus não a receberam” (Jo 1, 10-11).
Hoje, continuamos – como sociedade, como “mundo” – a crucificar Jesus. Apesar de inúmeros avanços, nossa sociedade ainda não é uma sociedade que vive no amor e, por causa disso, o corpo místico de Cristo continua sendo crucificado.
O mesmo pensamento que moveu Caifás move muitas decisões tomadas a portas fechadas, nas instituições que deveriam proteger os cidadãos e promover a justiça, afinal “a verdade” pode ser trabalhada para que apenas um ou outro pague, livrando-se muitos outros do pagamento. Ora, se é inocente ou não, acaba importando menos do que os efeitos “políticos” que uma decisão diferente poderia ocasionar.
Poderosos se utilizam da propaganda, dos grandes meios de comunicação, na tentativa de manipular as massas, fazendo-as acreditar em alguma coisa que os beneficie. Manipulam informações de tal forma a causar medo e, assim, conseguir que as massas apoiem seus projetos escusos. Acusaram Jesus de fazer suas boas obras por causa de pacto com Satanás. Isso deixava o povo temeroso e muitos ficaram tão insuflados que gritavam furiosos: “crucifica-o!” Tudo muito parecido com o que temos visto por aí, não é?
Também encontramos muitos pilatos ainda hoje. Pessoas que até têm uma boa intenção, mas que não suportam pensar em perder seus privilégios. Pilatos ouviu dos judeus: “Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César”. E então preferiu lavar as mãos e entregar Jesus à morte. E assim são muitas negociatas que sacrificam o povo, principalmente os mais pobres. Pessoas investidas do poder público, que deveriam estar em função do bem comum, da verdade e da justiça, mas que são manipuladas em vista de não perderem suas regalias.
Infelizmente, ainda há policiais que, ao invés de proteger os cidadãos da violência, imputam mais violência, espoliando quem cai em suas garras, assim como aqueles guardas que, além de espancarem Jesus, repartiram entre si suas vestes.
Olhando para tudo isso, nossa tarefa é tomar consciência de que a mudança da sociedade, do mundo que nos rodeia só é possível quando nos propomos a mudar a nós mesmos. Na verdade não podemos mudar ninguém além de nós mesmos.
Pode nos parecer algo muito pequeno e que não levará a nenhuma mudança significativa da sociedade. Mas isso é somente mais uma tentação e há duas razões para não cairmos nela. Primeira, porque pensando assim podemos ser levados a dizer: “ah, se todos fazem assim, por que eu não vou fazer?” E segunda, porque Jesus nos ensinou que o Reino de Deus é como um grão de mostarda ou como a medida de fermento colocada na massa. De um pequeno grão nasce uma grande árvore e somente um pouco de fermento é suficiente para fazer toda a massa em volta crescer.
Vamos trazer à memória o que, durante a quaresma, constatamos que precisa ser mudado: todos os pecados que nos tornam infelizes, machucam-nos e a quem está à nossa volta. Apresentemos tudo a Cristo crucificado, pois “sabemos muito bem que o nosso homem velho foi crucificado com Cristo, para que o corpo de pecado fosse destruído e assim não sejamos mais escravos do pecado” (Rm 6, 6).
Evidente que celebramos a sexta-feira santa com uma perspectiva pós-pascal, na esperança da ressurreição. Como diz São Paulo na carta aos Hebreus, da primeira leitura, “na consumação da vida de Jesus, ele tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem”, porém somos convidados a guardar o silêncio, fazendo a experiência dos discípulos de Jesus, um memorial da ausência, em que ficaremos junto ao sepulcro contemplando o último gesto de Jesus, depois de amar até o fim: “inclinando a cabeça, entregou o espírito”. Amém!
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João Batista Pereira Ferreira – Família Missionária Verbum Dei – Belo Horizonte