João 12,1-11
11 de abril de 2017Inclinando a cabeça, entregou o espírito (Jo 18,1 – 19,42)
14 de abril de 2017“Então um dos doze discípulos, chamado Judas Iscariotes, foi falar com os chefes dos sacerdotes. Ele disse:
— Quanto vocês me pagam para eu lhes entregar Jesus?
E eles lhe pagaram trinta moedas de prata.
E daí em diante Judas ficou procurando uma oportunidade para entregar Jesus.
No primeiro dia da Festa dos Pães sem Fermento, os discípulos chegaram perto de Jesus e perguntaram:
— Onde é que o senhor quer que a gente prepare o jantar da Páscoa para o senhor?
Ele respondeu:
— Vão até a cidade, procurem certo homem e digam: “O Mestre manda dizer: A minha hora chegou. Os meus discípulos e eu vamos comemorar a Páscoa na sua casa.”
Os discípulos fizeram como Jesus havia mandado e prepararam o jantar da Páscoa.
Quando anoiteceu, Jesus e os doze discípulos sentaram para comer. Durante o jantar Jesus disse:
— Eu afirmo a vocês que isto é verdade: um de vocês vai me trair.
Eles ficaram muito tristes e, um por um, começaram a perguntar:
— O senhor não está achando que sou eu; está?
Jesus respondeu:
— Quem vai me trair é aquele que come no mesmo prato que eu. Pois o Filho do Homem vai morrer da maneira como dizem as Escrituras Sagradas; mas ai daquele que está traindo o Filho do Homem! Seria melhor para ele nunca ter nascido!
Então Judas, o traidor, perguntou:
— Mestre, o senhor não está achando que sou eu; está?
Jesus respondeu:
— Quem está dizendo isso é você mesmo.”
Hoje subi ao terraço do meu prédio para orar. Diante da cidade, tendo ao longe o som do noticiário que informava das delações premiadas da Operação Lava Jato, ressoaram as palavras de Judas nesse trecho do Evangelho de Mateus: “Quanto vocês me pagam para eu lhes entregar Jesus?” Os que antes estavam unidos, agora entregam um ao outro nas delações, em troca de benefícios pra si mesmos. Antes estavam unidos também por vantagem própria, às custas de todo o povo. A lógica continua intacta: primeiro eu, segundo eu, terceiro eu… Judas pertencia ao grupo dos melhores amigos de Jesus. Unia-lhes nada além de “uma doce intimidade” (Salmo 55,15). Nenhuma vantagem própria extraída de outros, mas vida plena ofertada em abundância para si e para muitos, trocada por 30 moedas de prata.
Vendo tantos prédios, tantas salas comerciais, carros, ônibus, helicópteros, esquinas e becos, onde neste momento estará sendo feita pergunta semelhante: “O que vocês me dão em troca de…?” De formas ilícitas… e também lícitas. Nas entrevistas de emprego: “O que vocês me dão em troca de…?” Como se 30, 300 ou 3000 moedas pudessem comprar dons e talentos, comprometimento e contribuições! Neste tipo de relação, troca-se horas por salário, mas o melhor de cada um não é ofertado. Fica escondido, mofando em algum canto, ou em entregas espremidas nas poucas horas que “sobram”, subtraídos o trabalho, o sono, o deslocamento…… Como canta a irmã Glenda, que triste “perder a vida sem gastá-la por nada”!
Nos outros cômodos desses tantos prédios desenrolam-se agora cenas das relações pessoais – familiares, amorosas, de amizade –, de forma presencial ou virtual (talvez até dos que estão trocando horas de “trabalho” por moedas, e estão com a mente e o coração em outros lugares via redes sociais, enquanto seguem nos escritórios de corpo presente). Em várias delas talvez também ressoe a pergunta: “O que vocês me dão em troca de…?”
Olho para os cantinhos da minha própria vida (e convido você a olhar para a sua, se é que já não o está fazendo). Essa pergunta ressoa sim, em muitos momentos, em várias relações. Lembro-me dos lugares aos quais vou para ser vista e seguir pertencendo a grupos dos quais nem conheço bem as pessoas, mas que quero a inclusão em troca de ir lá ou de fazer comentários no WhatsApp. Lembro-me da entrega dos gestos que se quer receber, das palavras que se quer ouvir, do look montado segundo o que se quer ver, em troca de um elogio, uma curtida, um convite… E do que mais poderia lembrar? “Quanto vocês me pagam para eu lhes entregar….?” “O que me dão em troca de…..?” É a pergunta da carência.
A vida plena, o desejo, a amizade leal, o amor verdadeiro, a alegria profunda, não tirada sequer na dor, são de outra ordem, no entanto. Não se entrega em troca de. Simplesmente se entrega, se derrama, se doa, faz a hora. Como Jesus. “A minha hora chegou.” Quando chega a sua hora, e consciente de tudo o que viria – “um de vocês vai me trair” – ele não fica paralisado no medo, na dor, na decepção, no fracasso, em tudo o que humanamente experimentava e que poderia fechá-lo. Ele se abre para celebrar com seus amigos, para viver até o fim a festa da autêntica liberdade, apenas possível para quem não tem a vida empenhada em tantas relações de troca (compra e venda), mas, experimentando-se amado e valorizado pelo Amor, pelo Abbá (Paizinho), pode tomá-la nas mãos e oferecê-la – “Ninguém me tira a vida, eu a dou livremente” (Jo 10,18).
Jesus inclui os discípulos e a nós na sua hora, nos convida a participar. Ir com os que vão preparar a Páscoa. É de dia, e o jantar é à noite. Passar esse dia com eles. Contemplar na nossa oração, sentindo o cheiro das ervas para o tempero do cordeiro e do cordeiro assando; o gosto da comida da qual se prova um pouquinho ao cozinhar; o calor do vapor; a alegria das cores das almofadas colocadas na sala do jantar; o suor no rosto de quem vai para lá e para cá para deixar tudo o melhor possível, para a grande celebração com o melhor amigo. Viver assim também o nosso dia, pedir a graça de fazer dele a nossa oração. Em tudo o que fizermos, viver como quem está preparando a Páscoa.
“Quem está dizendo isso é você mesmo.” Pai, dá-me teu Espírito, para que minha vida concreta, no trabalho, nas relações, em cada momento possa dizer da desmedida do amor entregue de Jesus disse, e não dos cálculos que a carência de Judas o levou a dizer. Ajuda-me, Pai, a viver a Páscoa do teu Filho com Ele, renovando o desejo de vida plena e a luz para concretizá-lo a cada pequena situação cotidiana.
Tania Pulier, jornalista e teóloga, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei