Como praticar as boas obras (Mc 6, 1-6.16-18)
5 de março de 2014Na presença do noivo (Is 58,1-9a e Mt 9,14-15)
7 de março de 2014“Vê que eu hoje te proponho a vida e a felicidade, a morte e a desgraça
Se obedeceres aos preceitos do Senhor teu Deus,que eu hoje te ordeno, amando ao Senhor teu Deus, seguindo seus caminhos e guardando seus mandamentos, suas leis e seus decretos, viverás e te multiplicarás, e o Senhor teu Deus te abençoará na terra em que vais entrar, para possuí-la. Se, porém, o teu coração se desviar e não quiseres escutar, e se, deixando-te levar pelo erro, adorares deuses estranhos e os servires, eu vos anuncio hoje que certamente perecereis. Não vivereis muito tempo na terra onde ides entrar, depois de atravessar o Jordão, para ocupá-la.
Tomo hoje o céu e a terra como testemunhas contra vós, de que vos propus a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes, amando ao Senhor teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele – pois ele é a tua vida e prolonga os teus dias -, a fim de que habites na terra que o Senhor jurou dar a teus pais Abraão, Isaac e Jacó’.”
Dt 30,15-20
“‘O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia.’ Depois Jesus disse a todos: ‘Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará. Com efeito, de que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro, se se perde e se destrói a si mesmo?”
Lc 9,22-25
“Estamos condenados à Liberdade.”
Quando comecei a rezar os textos de hoje, tanto o trecho de Deuteronômio como o trecho do Evangelho segundo Lucas, esta frase do filósofo existencialista, francês e ateu, Jean-Paul Sartre me veio à memória. Quando ouvi esta frase pela primeira vez, ela me causou um grande impacto.
Se vendo responsável pelas escolhas que faz e, portanto, também responsável por todas as suas consequências, e prescindindo da existência de Deus, o processo da escolha leva a uma profunda angústia e daí à constatação de que a liberdade é uma condenação.
As leituras de hoje nos abrem uma outra perspectiva. A perspectiva da graça. A liberdade nos foi concedida por Deus, para que possamos fazer parte de seu projeto. No projeto de Deus, nós somos chamados ao amor e o amor exige a liberdade. Só pode amar quem é livre, uma vez que amar é expressão de um desejo e eu só posso expressar meu desejo se tenho a liberdade de escolher sua satisfação.
Nesta perspectiva, faço hoje minha oração com os textos apresentados. Penso que, quando nos afastamos de Deus e perdemos a noção da graça, percebendo a vida, unicamente, como uma luta pela sobrevivência, corremos o risco de fazer escolhas egoístas, aquelas que se preocupam apenas com nosso bem-estar, com nossa vida e, portanto, nos levam ao fechamento em nós mesmos, em que tudo precisa estar voltado para nós, levando-nos assim a uma realidade de morte.
Moisés apresentou o Livro da Lei de Deus e propôs ao seu povo a escolha da vida. Obedecendo e seguindo os mandamentos que o livro encerrava, o povo estaria escolhendo a vida, pois os mandamentos apontavam para uma vida aberta ao outro e, portanto, seguindo-os o povo não se fecharia em si mesmo, na dureza de seu coração, o que geraria a morte.
Com o tempo, o povo endureceu o coração e passou a seguir apenas a letra fria da lei, esquecendo-se do sentido da lei. À lei original se juntou um sem número de normas e preceitos, como que criando uma camada que impedia de se perceber o espírito da lei. Em um sentido figurado, é como uma casa com os vidros da janela totalmente empoeirados. Quem está na casa não consegue perceber a bela natureza ao entorno dela, a beleza da paisagem que foi motivo da construção da casa.
Jesus veio para limpar, para clarear, para restaurar o espírito da lei. Ele não era contrário à lei, como nos é ensinado em Mateus 5,17: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento”. Ora, dar-lhes pleno cumprimento é, sobretudo, o fato de que o próprio Jesus é o espírito da lei. Nele se cumpre toda a lei. Ele é a escolha proposta por Moisés ao seu povo: “Escolhe, pois, a vida”. E a vida é Jesus, como nos apresenta o Evangelho segundo João em 14,6a: “Diz-lhe Jesus: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’”.
Para nós, é o próprio Jesus quem propõe a vida e a vida é segui-lo. Um seguimento que nos leva à doação de nós mesmos, a uma abertura para o outro, para outras realidades e outros povos.
Nós não seguimos quem não conhecemos, portanto, o passo mais importante para seguir Jesus é fazer o que for possível para conhecê-lo, até subir em árvores se preciso for, como fez Zaqueu.
A leitura orante é um espaço especial para conhecer Jesus. Ler os textos bíblicos, contextualizá-los, atualizá-los para as nossas realidades, pessoal e comunitária, questionar a Deus o que aquelas palavras significam para nós hoje, no momento em que vivemos, na realidade pessoal de cada um, depois abrir o coração e ouvir o Espírito Santo, invocado no início da oração, no silêncio profundo de nossas carências e, por fim, se deixar apaixonar por Ele. Sim! Apaixonar! A intimidade diária com Jesus, na medida em que podemos conhecê-lo com profundidade e na medida em que abrimos, ou melhor, rasgamos nosso coração, deve nos levar a este estado, próprio dos que se amam.
Neste ponto da minha oração, penso que podemos nos aquietar um pouco e nos perguntar: Como está minha vida de oração? Tenho procurado, com toda minha alma, com todo meu espírito, com toda minha força, reservar um pouco de tempo para estar a sós com o Senhor? Rasgo meu coração para me deixar conhecer pelo Senhor? Tenho procurado ser sensível para compreender as palavras que Ele me dirige? Ou meu coração ainda está impermeabilizado pelos meus preconceitos, minha arrogância, meus projetos pessoais e meu receio de comprometer-me em demasia? O que posso fazer para melhorar meu relacionamento com Jesus?
Deixemos que o Espírito Santo nos acalme, nos aquiete e nos traga respostas que possam nos levar a uma vida de oração mais profunda.
Conhecendo intimamente a Jesus e se apaixonando por ele, penso que fica mais fácil segui-lo. Costumamos seguir aquele por quem estamos profundamente apaixonados, mesmo que, no caminho, tenhamos que carregar cruzes, vencer desafios e quebrar barreiras.
Enfim, creio que poderemos escolher a vida, percebendo que a liberdade para escolhê-la é uma graça e não uma condenação. Amém!
João Batista Pereira Ferreira – Família Missionária Verbum Dei – Belo Horizonte – MG