Que recompensa tereis? (Lc 6, 27-38)
13 de setembro de 2018Evangelho: Lucas 6, 20-26
“Jesus olhou para os seus discípulos e disse:
— Felizes são vocês, os pobres,
pois o Reino de Deus é de vocês.
— Felizes são vocês que agora têm fome,
pois vão ter fartura.
— Felizes são vocês que agora choram,
pois vão rir.
— Felizes são vocês quando os odiarem, rejeitarem, insultarem e disserem que vocês são maus por serem seguidores do Filho do Homem. Fiquem felizes e muito alegres quando isso acontecer, pois uma grande recompensa está guardada no céu para vocês. Pois os antepassados dessas pessoas fizeram essas mesmas coisas com os profetas.
— Mas ai de vocês que agora são ricos,
pois já tiveram a sua vida boa.
— Ai de vocês que agora têm tudo,
pois vão passar fome.
— Ai de vocês que agora estão rindo,
pois vão chorar e se lamentar.
— Ai de vocês quando todos os elogiarem, pois os antepassados dessas pessoas também elogiaram os falsos profetas.”
Reflexão:
Na oração de hoje, peçamos ao Pai a graça de um coração aberto para compreender o seu chamado.
Este trecho do Evangelho de Lucas não é fácil, sobretudo porque acabamos lendo no contexto de hoje, em que a pobreza que vemos é fome e miséria, e no qual a sociedade de consumo faz com que todos os sonhos sejam materiais. Hoje eu caminhava pela rua observando as pessoas, sobretudo os trabalhadores com quem cruzei pelo caminho – pedreiros, faxineiras, eletricistas, bombeiros, vendedoras – e meditando sobre essa passagem.
Vi rostos cansados em sua dedicação, mas com uma alegria mesclada às marcas da entrega às vezes sofrida. E testemunhei alguns gestos de ajuda entre eles, que me fizeram recordar do convívio em algumas comunidades de vilas ou do interior. Na hora do almoço, sempre chegava mais um, sem convite nem aviso, e havia lugar na mesa, espremido no sofá ou até sentados juntos à porta; mas estava lá o seu pratinho, podia servir-se da panela, mesmo que tenha sido preciso colocar mais água no feijão.
Lembrei também de um mutirão do qual tive a alegria de participar no Vale do Jequitinhonha, para a construção de uma cisterna de captação de água de chuva. Cada um e cada uma se achegava e fazia o que podia – carregar um balde de água, misturar o cimento, espalhar pedras. O peso, o cansaço, o sol quente não era maior que a força que aquela união produzia, a ponto de que até eu, na minha falta de jeito, consegui contribuir. Todos eram incluídos.
E essas contemplações e memórias ajudaram-me a começar a entrar: “Felizes são vocês, os pobres, pois o Reino de Deus é de vocês.” Jesus não disse “será” – um dia, no além. Ele disse “é”, no aqui e agora. Porque essa vivência que os pobres nos ensinam já tem sabor de Reino.
É bom na oração deixar que os fatos da vida venham, e dialogá-los com Jesus, questionar. Na minha oração vieram também outras pobrezas, que não têm o mesmo sabor, não transmitem vida partilhada e em abundância. As pessoas jogadas pelas ruas das grandes cidades, anônimas, massacradas pelo trator da individualização que passa longe dessa dinâmica de comprometimento e partilha. Pobres que se colocam contra os pobres, não conseguindo fazer uma leitura crítica do sistema, e fizeram-me lembrar da frase de Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. De quantos, meu Deus, é assim! E os raríssimos que conseguem tornam-se os piores ricos, os mais opressores…
Mas foi então que comecei a entrar no lado oposto que o evangelista Lucas ressalta: “Mas ai de vocês que agora são ricos, pois já tiveram a sua vida boa”. E ela, não tendo vida boa para mais ninguém além de “sua”, acabou não sendo vida plena nem para si. Há um outro trecho em que Jesus comenta o quanto é difícil para um rico entrar no Reino. Como é difícil fazer experiência dessa dinâmica verdadeiramente solidária do Reino na qual, percebendo o mistério da iniquidade, se consegue ver que todos estão ligados a todos e a tudo e, assim, identificar na falta do outro o meu excesso. Não se dá sobras ou esmolas, se dá o que é direito do outro e, por algum motivo – meu ou nosso – está retido em minhas mãos.
Quem se une ao Deus que deu a si mesmo no Filho não pode menos que dar de si. Esse é o dinamismo do Reino que os pobres aos quais o evangelista se refere ensinam. É a luta pelo coletivo, pela vida boa para todos, não para si ou para alguns. A abundância da criação nos fala de um Deus que deseja a vida plena para todos, não a miséria. Entrar pelo caminho do Evangelho é unir forças para buscá-la, para construir passo a passo transformação e melhorias que atinjam os que mais necessitam delas, e que não combinam com a ostentação e a opulência.
Passa por uma conversão pessoal, de revisão dos bens e dons retidos nas próprias mãos; mas uma conversão que vá na direção do coletivo, na revisão das forças do consumismo e individualismo, do “cada um por si” que imperam hoje e às vezes nos tomam.
– A vida do outro me diz ou não respeito?
– A vida da sociedade e do planeta me diz ou não respeito?
– Como a minha maneira de viver expressa isso?
Pedir ao Pai a graça de deixar-nos transformar, e que isso toque as pequenas opções de cada dia – a decisão do voto, a posição frente ao excluído, os gestos, as buscas, o uso das coisas.
Tania Pulier, esteticista da alma, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei