O começo de uma nova história (MT 1, 16.18-21.24ª)
19 de março de 2018Abertura ou fechamento à Palavra da verdade?
21 de março de 2018Leitura: João 8, 21-30
Jesus disse outra vez:
— Eu vou embora, e vocês vão me procurar, porém morrerão sem o perdão dos seus pecados. Para onde eu vou vocês não podem ir.
Os líderes judeus disseram:
— Ele diz que nós não podemos ir para onde ele vai! Será que ele vai se matar?
Jesus continuou:
— Vocês são daqui debaixo, e eu sou lá de cima. Vocês são deste mundo, mas eu não sou deste mundo. Por isso eu disse que vocês vão morrer sem o perdão dos seus pecados. De fato, morrerão sem o perdão dos seus pecados se não crerem que “Eu Sou Quem Sou”.
— Quem é você? — perguntaram a Jesus.
Ele respondeu:
— Desde o começo eu disse quem sou. Existem muitas coisas a respeito de vocês das quais eu preciso falar e as quais eu preciso julgar. Porém quem me enviou é verdadeiro, e eu digo ao mundo somente o que ele me disse.
Eles não entenderam que ele estava falando a respeito do Pai. Por isso Jesus disse:
— Quando vocês levantarem o Filho do Homem, saberão que “Eu Sou Quem Sou”. E saberão também que não faço nada por minha conta, mas falo somente o que o meu Pai me ensinou. Quem me enviou está comigo e não me deixou sozinho, pois faço sempre o que lhe agrada.
Quando Jesus disse isso, muitos creram nele.
Oração:
O evangelista João traz, vez ou outra, falas de Jesus que seguem o ritmo de um discurso ou que se mostram como diálogos desencontrados. Dá a impressão de que Jesus falava de forma hermética, confusa, falando sem de fato dizer. Mas sabemos que Jesus era de linguagem simples; quando queria ser muitíssimo claro, até contava estórias – as parábolas. O evangelista, cujo texto é inspirado após o encontro com o ressuscitado, lembra o que Jesus dizia, com palavras e vida, e nos transmite quase que em forma de poema. É preciso abrir o coração e a mente então à “poesia” de João… perceber o sentimento, o conhecimento, a alegria daqueles que viram nas palavras escritas um instrumento tão eficaz, apesar da aparente fragilidade, para deixar às gerações futuras o legado maior que tinham: o registro de que se encontraram com Alguém cuja presença não se apagou nem com a morte; ao contrário, foi sentida com mais força após sua entrega total.
Vocês vão me procurar. Essa frase de Jesus prevê o caminho de todos que um dia, mesmo depois de centenas de anos, vão segui-lo. Vocês vão me procurar. Quem não tinha fé não procurava ou procurava sem saber… e encontrou. Quem encontrou, às vezes, se perde… e volta a procurar. Quem encontrou, mesmo sem se perder, procura, pois sempre é possível tentar alcançar um pouco mais, um pedacinho a mais, uma face a mais da mesma face do Amor. Vocês vão me procurar.
De fato, morrerão sem o perdão dos seus pecados se não crerem que “Eu Sou Quem Sou”. Jesus está falando aos judeus que o perseguiam. O caminho do povo de Deus havia afastado esse mesmo povo do Pai. Jesus, que viveu tentando refazer esse encontro do povo com o Pai, percebe que não é ouvido, é mal interpretado, é perseguido. Por isso, afirma que “morrerão sem o perdão de seus pecados”… morrerão sem se encontrar de novo com o Pai, pois não acreditam no que Jesus, o Filho, diz e afirma. O evangelista está convicto de que Jesus é o Filho, Deus encarnado, por isso apresenta Jesus dizendo que “Eu Sou Quem Sou”, fórmula com a qual Deus tinha se identificado a Moisés (Êxodo 3, 14). Naquele tempo e hoje, quem escreve o evangelho está a dizer: se não se acredita que esse é o Filho, a Palavra que se fez carne (João 1, 14), não há reencontro com o Pai, não há caminho para Deus, não há vida plena. O encontro com o Pai passa pela vida do Filho…
Quem me enviou está comigo e não me deixou sozinho, pois faço sempre o que lhe agrada. Jesus conhece quem o envia. Jesus sabe da presença constante de quem o envia. Jesus conhece a vontade de quem o envia. Jesus vive segundo essa vontade. As quatro verdades dessa frase de Jesus são promessas para quem se põe a segui-lo. Você abraça a cruz, a dificuldade de cada dia, colocando-se a caminho, e aí você começa a conhecer mais o Pai. Você uma hora consegue amar o inimigo, aquele que o(a) persegue, e então sente que o Pai está com você, pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus (Mateus 5, 45). Quando seu amor cresce, quando você ama acima e apesar de tudo, você conhece a vontade do Pai e vive segundo essa vontade. Você vai se tornando, com o Filho, filho também.
Chegar ao ponto de experimentar as quatro verdades do versículo anterior nem sempre é fácil. Hoje, estamos lá; amanhã, talvez não haja tanta certeza; depois, uma subida; e então outra descida; amo aqui, ali já não mais… vida de discípulo é caminhada. Na poesia de outro João, que veio bem depois, lemos que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. O Pai sabe disso. O Filho também. Eles, pelo Espírito, se dão a nós no meio do caminho, nos vales e picos, na maré alta e na maré baixa… O último versículo talvez nos ajude a finalizar a oração: Quando Jesus disse isso, muitos creram nele. Talvez quem o ouvia ainda não entendesse tudo. Quando lemos a poesia do evangelista, não compreendemos tudo. Nem quando Jesus contava parábolas o entendimento era completo. Mas crer – a fé – não depende do pleno entendimento, da plena compreensão. Algo havia no que Jesus falava – ou além, na forma como falava, no jeito como olhava, no que silenciava em vez de dizer – que, indo além do que podiam apreender, chegava-lhes ao coração. Vários judeus, que antes o perseguiam, creram nele. Talvez não tenham entendido cada palavra, mas creram. Talvez seja o mesmo caminho para nós, que já cremos: crer mais. Lembrar que a Palavra, a Voz, nem sempre é prosa que nos toca pela razão… às vezes, é poesia, que chega pela melodia, que deve ser lida em voz alta, que não nos faz entender, mas faz sentir e caminhar.
João Gustavo Henriques de Morais Fonseca, Família Verbum Dei de Belo Horizonte