“Hipocrisia e vaidade dos escribas e dos fariseus”
27 de fevereiro de 2018Abismos
1 de março de 2018Evangelho: Mateus 20,17-28
“Quando Jesus estava subindo para Jerusalém, chamou os discípulos para um lado e falou com eles em particular, enquanto caminhavam. Ele disse:
— Escutem! Nós estamos indo para Jerusalém, onde o Filho do Homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos não judeus. Estes vão zombar dele, bater nele e crucificá-lo; mas no terceiro dia ele será ressuscitado.
Então a mãe dos filhos de Zebedeu chegou com os seus filhos perto de Jesus, curvou-se e pediu a ele um favor.
— O que é que você quer? — perguntou Jesus.
Ela respondeu:
— Prometa que, quando o senhor se tornar Rei, estes meus dois filhos sentarão à sua direita e à sua esquerda.
Jesus disse aos dois filhos dela:
— Vocês não sabem o que estão pedindo. Por acaso vocês podem beber o cálice que eu vou beber?
— Podemos! — responderam eles.
Então Jesus disse:
— De fato, vocês beberão o cálice que eu vou beber, mas eu não tenho o direito de escolher quem vai sentar à minha direita e à minha esquerda. Pois foi o meu Pai quem preparou esses lugares e ele os dará a quem quiser.
Quando os outros dez discípulos ouviram isso, ficaram zangados com os dois irmãos. Então Jesus chamou todos para perto de si e disse:
— Como vocês sabem, os governadores dos povos pagãos têm autoridade sobre eles, e os poderosos mandam neles. Mas entre vocês não pode ser assim. Pelo contrário, quem quiser ser importante, que sirva os outros, e quem quiser ser o primeiro, que seja o escravo de vocês. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente.”
Reflexão:
Nesta Quaresma, preparação para a grande Festa da nossa fé, a Páscoa, peçamos ao Senhor a graça de viver com sentido os exercícios que nos ajudem a transformar nossa maneira de ver e pensar.
Neste trecho do Evangelho de Mateus, percebemos uma enorme distância entre os discípulos e Jesus. Apesar de estarem “juntos”, caminham em direções opostas. Jesus sobe para Jerusalém e fala de sua entrega até o final, mesmo diante das consequências que sofre quem opta pelo Amor num sistema de não-amor. Há esperança? Sim. Qual? A vida.
Só? Aí é que está. Parece pouco – pouquíssimo – para quem está tomado pelo “velho fermento”, um jeito cristalizado de ver e pensar, que não traz plenitude, mas do qual é tão difícil sair. Pareceu pouco à mãe dos filhos de Zebedeu, que pediu os lugares de honra no Reino. E pareceu pouco aos discípulos, pois todos ficaram zangados com os que se atreveram a dar voz (mesmo pela mãe) ao que eles também sentiam.
Os judeus esperavam um Messias rei, que libertasse o Povo de Israel do poder opressor dos romanos. Aqui, parece que no fundo os “seguidores” de Jesus estão pensando: “já entendemos que o Reino não vai ser exatamente como pensamos. Mas como você fala tanto de Reino, sabemos que vai ser de alguma forma. Então, da forma que for, nos dê honra e poder, pois é isso que queremos”. Mesmo tendo se deslocado um pouquinho, dado algum passo, as categorias de fundo continuam as mesmas.
É a isso que Jesus alerta quando diz: “os governadores dos povos pagãos têm autoridade sobre eles, e os poderosos mandam neles.” Qualquer um que tiver honra e poder porque é o que no fundo busca e deseja criará um mundo (ou um grupo, ou uma comunidade, ou uma equipe de trabalho) de opressores e oprimidos. Não houve nação na História, mesmo aquelas onde se propagava uma ideologia da partilha, que tenha saído desse esquema, presente também muitas vezes nas nossas comunidades e famílias. Por que? Pelo caminho que se tomou a partir do desejo de fundo.
Por isso a conversão é mudança de direção, de dentro pra fora, a partir do coração, a sede dos desejos. Ela vem de um voluntarismo? (“Eu tenho que mudar!”) Não. Vem de um encontro profundo com o Senhor, de deixar a Palavra cair no coração, a partir da escuta do que Ele diz: “Mas entre vocês não pode ser assim.” Dialogar com Ele:
– Então como deve ser, Senhor? Que vida é essa que Você oferece que às vezes parece tão pouco que nem presto atenção, atenta estou para outros desejos e buscas?
“Quem quiser ser importante, que sirva os outros, e quem quiser ser o primeiro, que seja o escravo de vocês. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente.” Isso é difícil demais de digerir, como foi para os discípulos. Rompe totalmente com nossos esquemas. Fala de outro lugar, do qual temos pouca experiência. Mas recorramos a ela, por pequena que seja, para buscar a compreensão pelo sabor já experimentado. Recordemos daquele(s) dia(s) em que voltamos pra casa exaustos depois de uma entrega total pelo bem do outro, que gerou vida e alegria a ele, mas mais ainda a nós.
– Que sentimentos foram gerados em nós? Quanto eles duraram (ou duram)? Como nosso coração vibrou?
– Que vida experimentamos aí?
Esta é a vida que Jesus propõe. Olhando por esse ângulo, como nos parece viver assim, e não ter momentos assim?
Não comecemos a justificar ou dar desculpas. Deixemos que o gosto, o sentido, o sabor, os sentimentos nos tomem, mexam com nossos desejos.
Pois só a partir do despertar do desejo que podemos perguntar pela concretização: Senhor, o que significaria viver essa entrega que gera plenitude no meu dia a dia, no normal e cotidiano da minha vida?
Outro dia me contaram de um senhor da roça, no interior de Minas, chamado Luiz, que vivia assim. De forma simples, ele se doava, não como evento, mas como jeito de viver. Ia pra cidade? Passava no vizinho e oferecia para comprar também o que ele precisasse. Via alguém na estrada? Cedia o seu cavalo e ia a pé do seu lado. Ficava sabendo de uma situação difícil pela qual um conhecido estava passando? Ia visitá-lo ou convidava para a sua casa e uma vez chegou a construir o banheiro que não tinha para receber uma pessoa e deixou para ela a sua própria cama. Sabia de uma alegria? Estava lá também, celebrando junto. A pessoa que me contava mostrou-me uma foto e dito e feito: a paz e a alegria reinavam em sua expressão! De um jeito que não saberei explicar, mas que a gente sente, é diferente da grande maioria das fotos que vejo a todo momento nas redes sociais, que tentam aparentar aquilo que ali se revelava genuinamente.
O Luiz de fato foi importante para quem o conheceu, resgatou-lhes a vida, o sentido e a alegria, e até a mim, que só ouvi a sua história, ele deu vida. Como Jesus. Bebeu seu cálice, que não é só dor, nem é isso em primeiro lugar. É vida plena, que só dá quem tem, e só tem que opta por acreditar e viver o caminho do amor, mesmo quando ele não é fácil e vai na direção contrária aos caminhos que nos são oferecidos pelos desejos de glória e poder.
Peçamos a graça da verdadeira conversão, que não se trata de enquadrar em regras moralistas, mas de reorientar pelo Amor e pela entrega a direção das nossas buscas, nos passos dAquele que nos ensinou o que isso significa e nos deu o Seu Espírito para tornar possível o que só com nossas forças não seria.
Tania Pulier, esteticista da alma, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei