Preciso de milagres para crer em Jesus?
5 de março de 2018Chegar ao coração da lei (Mt 5, 17-19)
7 de março de 2018Leitura: Mateus 18, 21-35
Então Pedro chegou perto de Jesus e perguntou:
— Senhor, quantas vezes devo perdoar o meu irmão que peca contra mim? Sete vezes?
— Não! — respondeu Jesus. — Você não deve perdoar sete vezes, mas setenta e sete vezes. Porque o Reino do Céu é como um rei que resolveu fazer um acerto de contas com os seus empregados. Logo no começo trouxeram um que lhe devia milhões de moedas de prata. Mas o empregado não tinha dinheiro para pagar. Então, para pagar a dívida, o seu patrão, o rei, ordenou que fossem vendidos como escravos o empregado, a sua esposa e os seus filhos e que fosse vendido também tudo o que ele possuía. Mas o empregado se ajoelhou diante do patrão e pediu: “Tenha paciência comigo, e eu pagarei tudo ao senhor.”
— O patrão teve pena dele, perdoou a dívida e deixou que ele fosse embora. O empregado saiu e encontrou um dos seus companheiros de trabalho que lhe devia cem moedas de prata. Ele pegou esse companheiro pelo pescoço e começou a sacudi-lo, dizendo: “Pague o que me deve!”
— Então o seu companheiro se ajoelhou e pediu: “Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei tudo.”
— Mas ele não concordou. Pelo contrário, mandou pôr o outro na cadeia até que pagasse a dívida. Quando os outros empregados viram o que havia acontecido, ficaram revoltados e foram contar tudo ao patrão. Aí o patrão chamou aquele empregado e disse: “Empregado miserável! Você me pediu, e por isso eu perdoei tudo o que você me devia. Portanto, você deveria ter pena do seu companheiro, como eu tive pena de você.”
— O patrão ficou com muita raiva e mandou o empregado para a cadeia a fim de ser castigado até que pagasse toda a dívida.
E Jesus terminou, dizendo:
— É isso o que o meu Pai, que está no céu, vai fazer com vocês se cada um não perdoar sinceramente o seu irmão.
Oração:
A leitura que hoje a Igreja nos dá para a oração diária tem tema bem definido: o perdão. Palavra que traduz uma ação que, muitas vezes, vivemos de forma desproporcional: quero receber muito, consigo dar pouco. Sobre isso Jesus conversava com seus discípulos e conversa, hoje, conosco. Vejamos a cena… Onde estou? Como me sinto? Coloquemo-nos no lugar de Pedro… Pedro está curioso para saber o que Jesus pensava sobre o perdão das faltas, atitude virtuosa que, naquele tempo, já se praticava entre os judeus. “Mas virtude tem limite”, talvez tenha pensado Pedro. “Perdoar, tudo bem, mas quantas vezes? Até quando? Senão vira ‘baderna’, não?” Pedro pergunta: “Sete vezes?”
Você não deve perdoar sete vezes, mas setenta e sete vezes. A resposta de Jesus surpreende Pedro. Não sete vezes, número que, a Pedro, já devia parecer exacerbado. Esse número mais dez vezes esse número. Jesus deve ter visto o espanto no rosto de seus amigos. “A vida não dá para esse tanto de perdão”, deve ter sido a expressão deles. “Desse jeito, vamos perdoar sempre”. Jesus não dá tempo para o cálculo, para a objeção; conta logo a parábola do patrão que perdoou ao servo, do servo perdoado que não perdoou a quem lhe devia. Mergulhemos na estória, oremos com seus detalhes…
O patrão teve pena dele, perdoou a dívida e deixou que ele fosse embora. Jesus descreve a atitude do Pai. O servo devedor tinha pedido: “Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei tudo”. O patrão não exige que pague, não se põe a esperar; perdoa a dívida, deixa que vá embora. É preciso que “entremos” nesse versículo para enxergar quem o Pai é. Às vezes, vivemos uma relação com Deus baseados na fala do servo: “Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei tudo”. Cremos que podemos pagar, acertar tudo, “passar a limpo”. No fundo, talvez um orgulho gigante de quem quer dizer: “Devia, mas paguei”. Pedimos ao Pai apenas paciência, que espere. “Espere, pois consigo reparar tudo, desfazer tudo, reconstruir tudo…” O sujeito está oculto, mas é enorme: EU. “EU pagarei, EU repararei, EU vou desfazer o mal que fiz, EU vou reconstruir tudo… peço apenas que me dê tempo”. Queremos sair “de cabeça erguida”, erguida pela arrogância, porque achamos que Deus é patrão e não é Pai. O Pai sabe que não quer esperar esse tempo todo para que de nós saia o peso. Afinal, o servo “devia milhões de moedas de prata”… quanto tempo levaria até pagar tudo? Por isso, perdoou a dívida e deixou que ele fosse embora. Na oração, peçamos a humildade necessária para viver a leveza do perdão que nos é dado… Humildade para entender que são “milhões de moedas de prata”, valor impagável… Humildade para entender que o Pai não quer o pagamento… Humildade para viver com paz o fato de que não podemos reparar tudo, consertar tudo, aplainar tudo, corrigir tudo… Humildade para viver em paz e com liberdade mesmo assim, pois Ele perdoa e quer que não vivamos embolados com nossas dívidas, nossos pecados.
Trouxeram um que lhe devia milhões de moedas de prata. Assim se descreve o servo a quem o patrão perdoa. O empregado saiu e encontrou um dos seus companheiros de trabalho que lhe devia cem moedas de prata. Assim é descrito o companheiro que devia ao servo anterior. Um, que devia “milhões de moedas de prata”, é incapaz de perdoar o outro, que lhe devia “cem moedas de prata”. O detalhe na narrativa é instigante. Jesus dá a dica para que consigamos perdoar: talvez a sua dívida seja maior; mesmo assim, ela é totalmente perdoada… que razão há para não perdoar? Quem não perdoaria nesse contexto? Quem teve uma dívida de milhões perdoada não consegue perdoar uma de cem? Parece que convém, para o exercício ativo do perdão, que não nos percamos nos cálculos e tenhamos por pressuposto o que Jesus propõe: chance há de que nossa dívida seja muito maior, então perdoemos. Na oração com esses dois versículos, podemos trazer à mente as pessoas que “nos devem”, que nos ofenderam, que nos perseguem, que nos fizeram mal. Depois, tentar pensar nas vezes em que eu sou quem deve, ofende, persegue, faz mal. “Milhões de moedas de prata” – o número de pratas é indefinido… o servo não sabia exatamente quanto devia; só sabia que era muito. Nós, da mesma forma, não sabemos exatamente quanto devemos. “Cem moedas de prata” – o número de pratas é definido… o servo sabe muito bem a dimensão da dívida do seu companheiro, e era muito, mas pouco comparativamente. Nós também somos bons para registrar, anotar, calcular o quanto nos fizeram de mal; disso sabemos com exatidão. Hoje, peçamos a graça de olhar e ver que são “só” cem moedas, pois isso traz a disposição para o perdão.
Mandou pôr o outro na cadeia. Esse versículo traz a resolução do servo que foi perdoado em relação àquele que lhe devia. É o contrário do perdão. Esta é a imagem: alguém fechado em lugar pequeno, sem luz… Alguém trancado, sem possibilidade de ir e vir, sem poder abraçar, sem poder ver o que há de bom na vida. Quem não perdoa – e várias vezes não perdoamos – coloca o outro nesse lugar de imobilidade. A imobilidade, no entanto, prende os dois: quem coloca na cadeia faz e refaz visitas ao preso, pois quer ver se já pagou, se está trabalhando para pagar… Com a ânsia por restituição, não percebe que, ao prender, prendeu-se, pois visitar tantas vezes a cadeia, garantir que lá esteja preso alguém é prender-se também, é impedir-se de caminhar com plena mobilidade. Peçamos a graça de enxergar que nos prendemos quando queremos prender. Por aí, talvez consigamos chegar à atitude do patrão: perdoou a dívida e deixou que ele fosse embora. Assim, uma hora saberemos da liberdade que o perdão dá a quem é perdoado e também a quem perdoa. Deixar que vá embora. Deixar que vá em boa hora… agora. Dar o perdão de cada dia, pois o perdão é como pão para quem deseja vida espiritual com saciedade.
Se, na oração, tivermos dificuldade, peçamos ao Espírito que nos lembre da frase de Jesus quando morria – “Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem” (Lucas 23, 34). A lembrança de que seguimos alguém que perdoa mesmo sob forte dor, enquanto encara a morte injusta, nos ajudará a perdoar “cem moedas” hoje, até que perdoemos “milhões de moedas” um dia.
João Gustavo Henriques de Morais Fonseca, Família Verbum Dei de Belo Horizonte