“Eu Sou Quem Sou” (Jo 8,21-30)
4 de abril de 2017Se alguém guardar a minha palavra, nunca jamais verá a morte. (JO 8, 51 – 59)
6 de abril de 2017“Então Jesus disse para os que creram nele:
— Se vocês continuarem a obedecer aos meus ensinamentos, serão, de fato, meus discípulos e conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.
Eles responderam:
— Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém. Como é que você diz que ficaremos livres?
Jesus disse a eles:
— Eu afirmo a vocês que isto é verdade: quem peca é escravo do pecado. O escravo não fica sempre com a família, mas o filho sempre faz parte da família. Se o Filho os libertar, vocês serão, de fato, livres. Eu sei que vocês são descendentes de Abraão; porém estão tentando me matar porque não aceitam os meus ensinamentos. Eu falo das coisas que o meu Pai me mostrou, mas vocês fazem o que aprenderam com o pai de vocês.
— O nosso pai é Abraão! — responderam eles.
Então Jesus disse:
— Se vocês fossem, de fato, filhos de Abraão, fariam o que ele fez. Mas eu lhes tenho dito a verdade que ouvi de Deus, e assim mesmo vocês estão tentando me matar. Abraão nunca fez uma coisa assim! Vocês estão fazendo o que o pai de vocês fez.
Eles responderam:
— Nós não somos filhos ilegítimos; nós temos um Pai, que é Deus!
Jesus disse a eles:
— Se Deus fosse, de fato, o Pai de vocês, então vocês me amariam, pois eu vim de Deus e agora estou aqui. Eu não vim por minha própria conta, mas foi Deus que me enviou.
Em nossa oração, vamos pedir a graça de crescer na fé.
O Evangelho de hoje é um pouco desconcertante: os que creram em Jesus fazem oposição a Ele??? O contexto é de Jesus ensinando no Templo de Jerusalém, após a festa das Tendas, na qual já o estavam querendo prender e matar. Seu ensinamento é forte e provoca divisão entre os que aderem, por experimentarem – “Nunca ninguém falou como ele!” (Jo 7,46). “Ele é o Messias!” (Jo 7,41) – e o que rejeitam, porque não cabe no que a compreensão religiosa ensinava – “Estude as Escrituras Sagradas e verá que da Galileia nunca surgiu nenhum profeta.” (Jo 7,52)
O trecho de hoje inicia-se mostrando a proposta de um passo a mais que Jesus faz aos que creram nele: “Se vocês continuarem a obedecer aos meus ensinamentos, serão, de fato, meus discípulos e conhecerão a verdade, e a verdade os libertará.” O chamado é a dar passos contínuos na vida por causa da fé, vivendo o que Jesus ensina. Quem assim faz é, de fato – realmente – discípulo. Quem apenas ouve e acha bonito não tem conflito algum. Quem experimenta colocar em prática é que começa a encontrar em si mesmo as barreiras, resistências e dificuldades. Fica conhecendo, então, aspectos de si que antes não via. Precisa contrastar as próprias verdades com a verdade do Evangelho e tomar posição, com o auxílio da graça. Esses passos são, então, passos de liberdade, e é a isso que o Senhor nos convida.
– Qual experiência temos deste processo? Fazer memória em nossa oração.
Mas é aí que Jesus toca na resistência daqueles judeus e o conflito toma todo o Evangelho. O que Jesus quer? Libertá-los. “Se o Filho os libertar, vocês serão, de fato, livres.” Quer que vivam de fato como filhos, parte da grande família que estava sendo criada. Abraão, que para eles remetia ao Povo de Israel e toda a sua tradição, para Jesus remete à toda a humanidade, que Ele inclui para ter a Deus como Pai. Mas que difícil soltar um lugar que já nos põe como prontos e merecedores para deixar-nos levar além!
Quantas vezes no fundo também sentimos que já chegamos! “Ah, eu vou à missa todo domingo!” “Eu tô na Igreja desde criança.” “Eu fui coroinha, catequista, coordenador de grupo de jovens, ministro, participei de não sei quantos retiros…” “Não fumo, não bebo, nunca fui de muita gandaia, sou fiel no relacionamento, sou gente de Igreja…” E aí nos custa demais ser chamados a dar um passo a mais, sobretudo não de fazer mais coisas, mas de ir para o fundo, conhecer a verdade, conhecer o que ainda precisa ser liberto em nós. Intuímos que há amarras, mas temos medo de reconhecê-las, soltá-las e ficar sem nada, sem seguranças, sem chão.
E se percebermos que não fazemos isso sozinhos, mas com Jesus que quer nos levar além? Quer nos dar uma vida não de cumprimento, mas de filhos numa família? Aqueles que são capazes de abrir-se verdadeiramente para aprender com o outro, com o diferente, de viver uma profunda comunhão de bens?
“Se Deus fosse, de fato, o Pai de vocês, então vocês me amariam, pois eu vim de Deus e agora estou aqui. Eu não vim por minha própria conta, mas foi Deus que me enviou.” Este é o processo de fé a que Jesus nos convida e que é caminhada pra vida toda, mas começa com o “sim” de agora e continua no “sim” de cada dia: passar da fé rasa, de quem acredita e cumpre preceitos religiosos à fé de quem se torna de fato discípulos porque vive os ensinamentos de Jesus. Vivendo, deixar-se confrontar com a verdade que Ele traz e libertar-se desde dentro, saindo das amarras e escravidões para a relação filial e fraterna. E, por fim, chegar ao amor, que é a verdadeira fé, daquele que adere de todo o coração e com toda a vida se entrega confiante.
Vamos pedir a Jesus que este tempo quaresmal nos purifique e faça dar passos na fé, para viver como filhos e enviados, por amor.
Tania Pulier, jornalista e teóloga, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei