Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus
5 de junho de 2018Marcos 12, 28-34
7 de junho de 2018lho: Marcos 12, 18-27
“Alguns saduceus, os quais afirmam que ninguém ressuscita, chegaram perto de Jesus e disseram:
— Mestre, Moisés escreveu para nós a seguinte lei: ‘Se um homem morrer e deixar a esposa sem filhos, o irmão dele deve casar com a viúva, para terem filhos, que serão considerados filhos do irmão que morreu.’ Acontece que havia sete irmãos. O mais velho casou e morreu sem deixar filhos. O segundo casou com a viúva e morreu sem deixar filhos. Aconteceu a mesma coisa com o terceiro. Afinal, os sete irmãos casaram com a mesma mulher e morreram sem deixar filhos. Depois de todos eles, a mulher também morreu. Portanto, no dia da ressurreição, quando todos os mortos tornarem a viver, de qual dos sete a mulher vai ser esposa? Pois todos eles casaram com ela!
Jesus respondeu:
— Como vocês estão errados, não conhecendo nem as Escrituras Sagradas nem o poder de Deus. Pois, quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do céu, e ninguém casará. Vocês nunca leram no Livro de Moisés o que está escrito sobre a ressurreição? Quando fala do espinheiro que estava em fogo, está escrito que Deus disse a Moisés: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó.’ E Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos. Vocês estão completamente errados!”
Reflexão:
O Papa Francisco, em sua Carta Apostólica Gaudete et Exsultate: sobre a chamada à santidade no mundo atual, alerta para o cuidado com aquela doutrina (mesmo dentro do Cristianismo) que, “ao mesmo tempo que exalta indevidamente o conhecimento ou uma determinada experiência, considera que a sua própria visão da realidade seja a perfeição” (n. 40). Ao reconhecer que é o que ocorre com os saduceus com os quais Jesus confronta neste trecho do Evangelho, podemos perceber melhor o perigo de ficar neste racionalismo sem fé, e quem sabe ver que às vezes recaímos aí. Por isso, a graça a pedir nesta oração pode ser, ao ver “de fora”, entrar no ponto que serve para nós e Jesus quer nos mostrar.
O evangelista Marcos nos explica que os saduceus eram um grupo de judeus que não acreditavam na ressurreição. Têm uma erudição, conhecimento das Escrituras, discurso argumentativo, mas com qual intenção? Procuram Jesus com um desejo sincero de aprender dele, de compreender o que não compreendem, de oferecer-lhe as suas dúvidas e dificuldades ou trazendo outras coisas dentro de si? Pela história apresentada por eles como exemplo que chega a ser caricato, sentimos a ironia, quase conseguimos ver a risadinha no canto da boca ridicularizando o tema. Observar diante de nós, ver as expressões da face, sentir o tom de voz, a postura… deixar que se torne uma imagem diante de nós, pois ela é que tem força de evocar nossas próprias experiências, que são o material do diálogo com Jesus.
E Ele, como se apresenta? Primeiro, responde. Não dá as costas. Não manda às favas. Segue o diálogo. Com aqueles que vêm a ele com arrogância e hipocrisia, Ele se mostra autêntico e sincero, expressa o que pensa e sente. “Como vocês estão errados”. Com que tom isso é dito? Pedir a graça de ouvir. Na passagem, percebemos que essa frase é emendada na explicação e numa conversa que continua. Com toda a paciência, o Senhor apresenta também exemplos, remetendo a Moisés, que foi introduzido por seus interlocutores. Na passagem da sarça ardente, ouviu de Deus: “Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”. E, a partir daí, o Senhor afirma: “Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos.”
Qual a diferença entre a fala de Jesus e a dos saduceus? Pois poderia ser apenas um argumento diferente, dois pontos de vista opostos. Aliás, ambos apresentaram Moisés. O que legitima mais a fala de um do que dos outros? Perguntar-lhe diretamente isso no diálogo da oração, enquanto se observa a cena, para não ficar apenas numa elucubração mental. Interessante perceber que na própria fala Jesus evoca uma experiência de Deus, do Deus vivo em quem confia e com quem se relaciona e Moisés relacionou-se. Fala desse dinamismo mais do que de uma frase escrita na Escritura – o que, sabemos, tirado do contexto é sempre perigoso. Jesus deixa o “dizer” ser mais forte que o “dito”, atualizá-lo, dar-lhe significado e vida. Isso porque é vivo e presente em sua vida também.
Apresentado no Evangelho de Marcos pós-pascal, ou seja, a partir da vivência dos discípulos da morte e ressurreição do Senhor, a fé na ressurreição torna-se ainda mais viva e geradora de vida.
– O que esse diálogo de Jesus com os saduceus desperta em mim?
– Em que a minha vivência da religião ainda é mais “dito” que “dizer”, é mais racional, teórica, normativa, um conjunto de ensinamentos e regras do que um dinamismo de vida, a experiência do Deus vivo, presente e atuante na História e na minha história?
– O que a minha vida fala de Deus para as pessoas – de uma letra morta ou do Espírito que dá vida, impulsiona a amar e a transformar?
– A minha postura para dialogar com o diferente é a de Jesus ou a dos saduceus? Quanto tenho entrado no movimento de intolerância atual?
Pedir ao Espírito que nos conduza, para entrarmos onde Ele deseja que entremos e deixarmos transformar.
Tania Pulier, esteticista da alma, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei