Fermento (Mc 8, 14-21)
17 de fevereiro de 2015Entregar a vida na construção da fraternidade (Lc 9,22-25)
19 de fevereiro de 2015Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus.
Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa.
Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa.
Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”.
Hoje iniciamos o tempo litúrgico ao qual chamamos de quaresma. É um tempo dedicado a uma profunda reflexão sobre a nossa vida, nossas condutas, atitudes e pensamentos. Ele se estende até o Domingo de Ramos, quando, festejaremos a semana santa, meditando sobre a paixão, morte e ressurreição do Senhor.
Pessoalmente, gosto de perceber como são oportunos esses dois tempos litúrgicos que se seguem, sendo o primeiro a quaresma que nos prepara para vivermos o que vem depois, a semana santa.
Para penetrar na paixão, morte e ressurreição do Senhor, com a intensidade merecida, de forma a experimentá-la melhor, é necessária uma boa preparação.
Penso que o convite para a oração de hoje é pedir luz ao Espírito Santo para compreender ou perceber onde estamos no caminho de conversão e o quanto necessitamos avançar. Sim, porque a conversão não é algo que conseguimos em um dado momento, e depois nunca mais precisamos dela. Ela vai acontecendo continuamente. Às vezes, perdemos a paciência com nós mesmos, pois fazemos um compromisso de mudança e, quando chega a quaresma seguinte, estamos lá fazendo novamente o mesmo compromisso de mudança, porque passou um ano e nada ou pouca coisa mudou. Contudo, tenho a certeza de que Deus conhece nossas limitações e é paciente conosco.
Por outro lado, penso ser necessário que façamos esses compromissos com toda a força de nossos corações e nos esforcemos, dia após dia, para conseguir alcançá-los, lembrando sempre que somente teremos sucesso, se contarmos com a graça de Deus e estivermos unidos a Jesus.
Ao iniciar minha oração, pensando nessas coisas, senti uma enorme consolação com a primeira leitura, onde se lê: “rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Jl 2,13).
Penso que é com essa confiança no amor misericordioso de Deus que devemos iniciar esse tempo especial de conversão.
O trecho do evangelho de hoje, retirado de Mateus, traz os ensinamentos do próprio Jesus, de como deve ser nossa atitude na vivência das três práticas que nos conduzem no caminho de identificação com Cristo.
Em todas as práticas – da esmola, da oração e do jejum –, percebo Jesus chamando a atenção para que seja uma ação que nasça do coração, que seja sincera e que não busque retribuição dos homens.
Como nos livrar da vaidade que cultivamos, de os outros saberem que somos bons, que fazemos isso ou aquilo?
Sermos reconhecidos como ser humano, possuidor de uma dignidade nata, que nos é conferida simplesmente por estarmos aqui e partilharmos desta vida de filhos de Deus, portanto merecedores de respeito e atenção, é muito importante e devemos trabalhar para que todos assim sejam reconhecidos. Todavia, temos, muitas vezes, uma vontade de que nos reconheçam acima dos outros. Penso que a vaidade está na raiz desta vontade. Assim, peçamos ao Espírito Santo que ilumine as sombras que existem em nós, para que possamos praticar as obras na simplicidade, sem esperar algo em troca.
Pensando nisso é que, na primeira leitura, fui muito tocado pela expressão “rasgai o coração, e não as vestes”.
No coração fechado não é possível entrar a compaixão, esse sentimento que nos move a sermos solidários não por obrigação, mas, sobretudo, porque sentimos a dor do outro, percebemos suas necessidades e nos compadecemos. Penso que, fazendo as coisas com esse sentimento, não as faremos para sermos aplaudidos, mas apenas porque é necessário.
O que fazer para rasgar o coração?
Tenho para mim que a oração com a palavra, a leitura orante é a chave para isso. Orando, aprendemos cada vez mais a orar. O Espírito nos vai instruindo. Ele mesmo nos conduz, e a palavra, pouco a pouco, vai rasgando nosso coração.
Neste tempo da quaresma, aqui no Brasil, também iniciamos a Campanha da Fraternidade que, neste ano, tem como lema “Eu vim para servir”.
Quando estamos com o coração rasgado, propício a viver a compaixão, é quando estamos prontos para aceitar o convite de Jesus e, junto com ele, nos colocar a serviço.
No tempo da quaresma, somos convidados a exercitar a prática do serviço. Fiquei pensando em como o jejum e a oração são importantes para sustentar em nós a prática da esmola, e me ajudou muito, na minha oração, o que o texto-base da Campanha da Fraternidade traz em sua apresentação.
“Jejum é um abster-se, um esvaziar-se, um abrir-se. No vazio de nós mesmos, somos fecundados pela suavidade da gratuidade. Jesus crucificado, vazio de si, é entrega suave-sofrida ao Pai: ’em tuas mãos entrego o meu espírito’ (Lc 23,46). No jejum, somos reintegrados!”
“A oração é aproximação, nova relação, exposição; busca de atingimento pela amorosidade de Deus. Uma quase súplica de afeto e de amor: ‘Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?’ (Mt 27, 46). A busca de coração pelo Pai. Quanta intimidade!”
“A esmola, partilha de vida, cuidado amoroso, liberdade de entrega, serviço! A esmola é envio para o próximo. Encontro com aqueles que o Estado e a sociedade não querem (Madre Teresa de Calcutá). Esmola, exercício para o crescimento e fidelidade da nossa filiação divina: sermos bons e generosos como Deus o é.”
Que possamos nos abrir para a vida, aproximar de Deus e dos irmãos, partilhando nossa vida, com cuidado amoroso, liberdade de entrega e serviço, e o tempo para isso é agora, como nos diz São Paulo, na segunda leitura de hoje: “pois ele diz: ‘No momento favorável, eu te ouvi e, no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação.”
Maria, nossa mãezinha querida, nos acompanhe neste tempo especial de conversão e nos ajude a encontrar o caminho que nos leva a Jesus. Amém!
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João Batista Pereira Ferreira – Família Missionária Verbum Dei – Belo Horizonte – MG