“Cale a boca e saia deste homem!”
4 de setembro de 2018O seguimento de Jesus ( LC 5,1-11)
6 de setembro de 2018Evangelho: Lucas 4, 38-44
“Jesus saiu da sinagoga e foi até a casa de Simão. A sogra de Simão estava doente, com febre alta; e contaram isso a Jesus. Aí ele foi, parou ao lado da cama dela e deu uma ordem à febre. A febre saiu da mulher, e, no mesmo instante, ela se levantou e começou a cuidar deles.
Depois de anoitecer, todos os que tinham amigos enfermos, com várias doenças, os levaram a Jesus. Ele pôs as suas mãos sobre cada um deles e os curou. Os demônios saíram de muitas pessoas, gritando:
— Você é o Filho de Deus!
Eles sabiam que Jesus era o Messias, e por isso ele os repreendia e não deixava que falassem.
Quando amanheceu, Jesus saiu da cidade e foi para um lugar deserto. Mas a multidão começou a procurá-lo, e, quando o encontraram, eles não queriam deixá-lo ir embora. Mas Jesus disse:
— Eu preciso anunciar também em outras cidades a boa notícia do Reino de Deus, pois foi para fazer isso que Deus me enviou.
E ele anunciava a mensagem nas sinagogas de todo o país.”
Reflexão:
Na oração de hoje, peçamos ao Pai a graça, pela intercessão de Madre Teresa, de inclinar-nos diante do outro antes de agirmos sobre seu sintoma.
Neste trecho do Evangelho de Lucas, acompanhamos Jesus indo da sinagoga à casa de Simão. Podemos contemplar: ver seu rosto, seus gestos, ouvir sua voz. Colocar-nos na cena – com quem nos identificamos? Com algum dos discípulos? Com a sogra de Simão? Com Jesus?
Uma outra tradução diz: “A sogra de Simão estava acometida de febre alta, e eles rogaram-lhe que fizesse algo por ela. Jesus se inclinou sobre ela, repreendeu a febre, e esta a deixou; e levantando-se imediatamente, ela se pôs a servi-los”. Já sabemos que febre não é doença, mas sintoma. Quem intercedeu junto a Jesus, pediu-lhe que fizesse algo pela mulher, pela pessoa. Jesus agiu sobre um sintoma, mas, antes, fez algo bem mais profundo: “se inclinou sobre ela”. Deixar-nos tomar por essa cena, deter-nos um tempo nela.
Santa Teresa cuidava dos moribundos de Calcutá, os mais pobres entre os pobres. Uma vez, um jornalista questionou-lhe sobre a eficácia de sua ação. Ela disse que há pessoas que são chamadas a lutar contra as causas da injustiça social, mas ela era chamada a acompanhá-los para terem uma boa morte. Ela também agia sobre sintomas – limpava feridas, fazia curativos, aliviava um pouco a dor física. No entanto, antes disso e como Jesus, inclinava-se sobre a pessoa. Ela percebia o mais profundo do sintoma, o abandono e a solidão, e se compadecia, unia-se à pessoa naquele momento. O mais bonito é que fazia isso pela fé. Viveu por anos seguidos o que São João da Cruz chamava de “noite escura da alma”, uma secura espiritual, uma falta de sentimentos de fervor. Ela não sentia a presença de Deus, mas confiava. E nos deixa um enorme testemunho de amor e perseverança, de saída de si e entrega ao outro.
O gesto de “inclinar” é uma reverência que se faz à presença de Deus. Quando Jesus se inclina sobre a sogra de Pedro, ele reconhece nela uma filha de Deus, alguém que é imagem e semelhança do Pai. Quando Madre Teresa se inclina sobre os moribundos – cujos sintomas em muitos eram mais desagradáveis do que a febre –, reconhece neles, independente de sua religião, filhos de Deus. Essa reverência à presença de Deus no outro transforma – possibilita-o servir (sogra de Simão), ou que seja ter uma boa morte, acolher o dom.
Nós lidamos diariamente com sintomas – nas pessoas ao nosso redor; nas nossas famílias; nas comunidades religiosas ou eclesiais; na sociedade. Alguns deles também são bem mais desagradáveis que a febre. Situações que literalmente ou de forma simbólica cheiram mal, provocam delírios e agressividade; divisões interiores (“demônios que saem gritando”, como na continuidade deste trecho do Evangelho); vômitos e excrementos que são colocados pra fora, que estão aí, na realidade com a qual temos que lidar no dia a dia. Que fácil é reagir a eles! É o mais comum e que quase sempre fazemos.
Como aprender de Jesus? Primeiro inclinar-nos sobre o outro, reconhecendo nele a presença de Deus, a sua imagem, esteja ela nítida ou distorcida. A partir dela, não reagir, mas agir. Sim que é preciso fazer algo, sim que as realidades precisam ser transformadas, mas apenas o reconhecimento da presença de Deus pode nos inspirar a como agir. E, em algumas situações, nossa ação não conseguirá uma grande mudança das causas, mas será, como Santa Teresa, uma presença diante do pobre, junto ao outro que sofre.
Após algumas ações, Jesus foi orar. Dessa oração nasceu o discernimento de sair dali e ir a outros lugares. Ou seja, ele atende aquelas necessidades diretas que apareceram a ele até certo ponto, mas não fica indefinidamente, porque há um chamado para algo mais, para ir além. Se por um lado nos custa assumir algumas situações sintomáticas, por outro nos custa sair delas. Ficamos enredados quando o Espírito já está soprando outros ares.
Peçamos a graça da docilidade a Ele e da entrega ao outro para que, aliviando sintomas ou lutando contra as causas, estejamos em constante discernimento e resposta ao chamado do Pai.
Tania Pulier, esteticista da alma, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei