João 1,45-51
24 de agosto de 2017Eles falam mas não praticam. Mt 23,1-12
26 de agosto de 2017Naquele tempo, os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” Jesus respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
Este evangelho, em Mateus, é narrado após uma polêmica conversa de Jesus com os saduceus (Mt 22, 23-33), que negavam a ressurreição. Os saduceus tentam embaraçá-lo com uma pergunta, e Ele lhes lembra disso: Deus é Deus dos vivos e não dos mortos.
Diferentemente dos saduceus, os fariseus acreditavam na ressurreição. Com vistas a herdar a vida eterna, cumpriam, com extremo rigor, seus inúmeros preceitos. Sabendo da controvérsia havida entre o Mestre e os saduceus, vão até Ele com outra pergunta, como forma de testá-lo. Qual seria, afinal, o maior mandamento da lei? O mandamento capaz de lhes assegurar, um dia, ao ressuscitarem, a vida eterna?
Segundo consta, os fariseus possuíam 613 preceitos. Eleger o primeiro como mais importante, desprezando os demais 612, poderia ser uma resposta, mas não foi a de Jesus. Ele diz que o primeiro é o maior: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento”, mas vai além, apontando um outro, semelhante ao primeiro: “O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.
Jesus não apenas sintetiza todos os 613 preceitos em apenas dois. Revela que o amor é a essência, o que dá sentido à lei e a justifica. É imperativo amar.
Na busca por ampliar o entendimento de tão profundo ensinamento, encontrei passagem semelhante em Lc 10, 25-37. Sirvo-me dela para rezar minha oração, por intuir que seja isso uma inspiração do Espírito.
Oração:
Senhor, tua palavra de hoje enche de alegria o meu coração. Que eu saiba degustá-la vagarosamente. Faz-me teu instrumento.
Lendo esta passagem, identifico, primeiramente, quem vai até ti. O texto diz que se tratava de um jurista que desejava por-te à prova. E é mesmo estranho que ele te pergunte algo tão banal. Ele mesmo, por força de seu ofício e conhecimento, saberia responder-se. Sim, saberia, como de fato soube, responder o que estava escrito na lei.
No entanto, não o vejo como um jurista, puro e simples. Vejo-o como alguém que se achega a um mestre, como um discípulo, e me pergunto: qual discípulo não poria seu mestre à prova? Qual não lhe perguntaria aquilo que está para além da letra da lei, que não lhe é totalmente claro? Qual discípulo não experimentaria a sabedoria de seu mestre?
Ensinar perguntando. Essa era uma prática bem antiga, muito usada por Sócrates, a maiêutica, (do gr. “ciência ou arte do parto”) que buscava “dar à luz, parir o conhecimento” e que praticavas constantemente.
Tu sabias a importância de levar o discípulo a se perguntar. Com carinho extremo de professor, delicadamente, voltas-lhe a pergunta: “o que está escrito na lei?” E o jurista te responde: “amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a alma, com toda a força, com toda a mente e ao próximo como a ti mesmo”.
“Respondeste bem: faze isso e viverás”, foi a resposta que contentaria alguns, mas não a ele. Ele precisava de mais, como preciso também eu, que desejo amar à tua maneira, não à minha. “E quem é o meu próximo?”
Bendito perguntador! Ávido aluno rodeando o professor. Sua insistência deu à luz um dos textos evangélicos mais belos, própria essência de teu ser, ensinamento vital para todo o que se diz cristão. Como o agradeço por te testar, Senhor! Como o agradeço!
Também necessito rodear-te. Não me contento com o que está grafado, mas não gravado no coração. É preciso perguntar-te, todos os dias, a toda hora: “quem é o meu próximo?”, até gravar no coração.
Nenhum mestre se furta a responder quando perguntado. Verdade que responde, às vezes, com um gesto mudo ou um silêncio profundo e olhar penetrante. Mas o Mestre não se furta também em dar de si ao outro, ao próximo que lhe pergunta. Assim és Tu! Contas, àquele que tem ouvidos para escutar, a conhecida parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 30-37) e vais desconstruindo conceitos, expondo preconceitos, apontando atitudes.
O samaritano indesejado, censurado, execrado é aquele que passa e não finge que não vê o que está caído, quase morto, vítima de assaltantes, ao contrário dos outros dois judeus, um sacerdote e um levita, que preferem preservar a pureza ritual a agir com compaixão, tocando o ferido.
E a história segue com pormenores significativos. Fico imaginando com que encantamento o jurista discípulo te ouvia. A ele, a quem não mais bastava saber como herdar a vida eterna, que desejava saber quem era seu próximo, fazes uma última pergunta, como forma de ensinar: “Qual dos três te parece que se portou como próximo daquele que deu de cara com assaltantes?” A resposta é pronta: “Aquele que o tratou com misericórdia”.
O leitor há de perdoar-me e entender minha intenção ao deslocar a oração da passagem de Mateus para a passagem de Lucas. Para mim, não bastava falar, eu mesma, da importância de amar o próximo como a si mesmo, sem trazer um ensinamento de Jesus sobre quem seja o próximo nosso de cada dia. Todas as vezes que leio esta passagem, novos pontos de luz se mostram. Hoje, preferi centrar-me no jurista e seu percurso de discipulado.
Também Jesus desloca a resposta. À pergunta do jurista discípulo: “quem é meu próximo?” Ele responde perguntando: “Quem se comportou como próximo?” Fica evidente que o próximo é todo aquele de quem me faço próxima, não apenas aquele que já é próximo de mim, por circunstâncias da vida.
Senhor, agradeço teu carinho de Mestre a conduzir o discípulo no conhecimento de si e do outro. Que o ensina a se perguntar, experimentar e avançar. Mestre que ensina a amar, amando. Que sejamos como o jurista que se fez discípulo, ao se aproximar de ti e fazer-se pronto a escutar. Amém!
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Regina Maria – Família Missionária Verbum Dei – Belo Horizonte