“Deem a Deus o que é de Deus”
6 de junho de 2017Marcos 12,28-34
8 de junho de 2017“Alguns saduceus, os quais afirmam que ninguém ressuscita, chegaram perto de Jesus e disseram:
— Mestre, Moisés escreveu para nós a seguinte lei: ‘Se um homem morrer e deixar a esposa sem filhos, o irmão dele deve casar com a viúva, para terem filhos, que serão considerados filhos do irmão que morreu.’ Acontece que havia sete irmãos. O mais velho casou e morreu sem deixar filhos. O segundo casou com a viúva e morreu sem deixar filhos. Aconteceu a mesma coisa com o terceiro. Afinal, os sete irmãos casaram com a mesma mulher e morreram sem deixar filhos. Depois de todos eles, a mulher também morreu. Portanto, no dia da ressurreição, quando todos os mortos tornarem a viver, de qual dos sete a mulher vai ser esposa? Pois todos eles casaram com ela!
Jesus respondeu:
— Como vocês estão errados, não conhecendo nem as Escrituras Sagradas nem o poder de Deus. Pois, quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do céu, e ninguém casará. Vocês nunca leram no Livro de Moisés o que está escrito sobre a ressurreição? Quando fala do espinheiro que estava em fogo, está escrito que Deus disse a Moisés: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó.’ E Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos. Vocês estão completamente errados!”
Na oração de hoje, vamos pedir ao Pai, o Deus da Vida, que nossa fé seja viva e experiencial, e assim nos sustente e contagie os demais.
A primeira leitura (Tb 2,9-14) e o salmo (Sl 24/25, 2-9) são de grande beleza e valem a pena procurá-los! Mostram a oração de pessoas que, mesmo na dor, no sofrimento e na angústia, buscaram a Deus, vivendo essas situações de forma acompanhada e alicerçada, e não solitária e desesperadora. E por que O buscaram? Por que se entregaram à oração e não a outros “recursos” ou “soluções”? Porque sua experiência de Deus era de verdade, salvação, ternura, compaixão, misericórdia e bondade sem limites.
Será essa a minha experiência de Deus? Será essa a experiência da maioria das pessoas da minha comunidade de fé? E da nossa Igreja? Na semana passada li o post de uma pessoa que contava que era de família católica, fez todo um caminho dentro da Igreja Católica – Primeira Comunhão, Crisma, missa semanal, etc –, porém, num momento de dificuldade, não encontrou respostas, e foi quando fez uma experiência numa religião não cristã na qual persevera até hoje. Essa história pareceu-se com várias que já ouvi, e não quero questionar as experiências na outra denominação religiosa, porque percebo sinais delas iluminando e sustentando a vida dessas pessoas. O que dói – e isso, sim, questiono – é alguém participar durante anos na Igreja Católica e não experimentar um encontro pessoal com o Deus da Vida. Onde está o foco das nossas comunidades, se não em proporcionar a possibilidade de fazer essa experiência? Onde está o nosso foco como pastores e agentes de pastoral, se não em vivenciar essa experiência e contagiá-la? O que busco, então, na Igreja? Teoria? Poder? Cumprimento de dever? Convívio social? Isso não responde nem a si próprio nem aos demais, e não sustenta, quando o que está em jogo são questões de vida!
Deixar nosso coração arder pela saudade de casa, pelo desejo de uma experiência mais profunda, pela verdadeira e sincera busca de Deus, como a dos jovens da primeira leitura, a do salmista e a de tantas pessoas que, ao longo da história, nos sacodem por seu ardente amor, tão longe da mornice na qual muitas vezes vivemos nós e nossas comunidades! Pedir ao Pai a graça dessa experiência e à abertura a que o Espírito nos conduza a ela! A experiência do próprio Cristo com o Pai, a quem chamava de “Abbá”, Paizinho, e por quem se experimentava tão amado, que sustentava a sua entrega de amor, mesmo quando ela não era – e não foi – correspondida.
No Evangelho, os saduceus questionam Jesus sobre a ressurreição. Saduceus eram um grupo de judeus que não acreditavam na ressurreição dos mortos. Não era gente sem formação. Era o alto escalão social e econômico da Judeia na época, pessoas com funções políticas, sociais e religiosas, entre elas a manutenção do Templo. Querem discutir teoricamente, doutrinarmente com Jesus, mas esse questiona a sua experiência. Com que Deus eles convivem? Aliás, convivem ou apenas acreditam que existe e cumprem o que entendem? Sim, porque, se convivessem, experimentariam o que Jesus diz: “Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos.” Experimentamos o Deus Vivo pela vida que Ele nos dá, porque dialogamos com Ele e sentimos que nos fala pelas Escrituras e no mais profundo de nós; porque, quando fazemos o que nos aponta, mesmo na dificuldade, nos plenifica e sustenta; porque Ele ressuscitou Jesus e eu o experimento vivo e presente no meio de nós, fazendo-me por seu Espírito enxergar os sinais de vida que suscita nas pessoas e realidades ao meu redor, uma vida que vence a morte, uma vida que persevera mesmo em meio aos sinais de morte, e isso me dá paz e alegria profundas que nada nem ninguém tira. Não me sinto sozinha pela vida. Se essa é a minha experiência e a das pessoas da minha comunidade, vivemos com o Deus Vivo e verdadeiro, o Pai de Jesus Cristo. E como vemos? Pela vida. Uma vida que ama, mesmo quando não recebe em troca; que tem paz e gera ambientes de paz; que é solidária e fraterna; que tem uma alegria perene mesmo na dor, e não efusiva/exagerada e passageira como um fogo de artifício.
Se não – ou se não é sempre assim –, vale pra nós o que Jesus falou para os saduceus: “Como vocês estão errados, não conhecendo nem as Escrituras Sagradas nem o poder de Deus.” Ah, mas somos doutores em Bíblia! Não importa! O “conhecer” aqui é experimentar intimamente, profundamente, e essa experiência transforma a vida.
Peçamos ao Pai, em Cristo e pelo Espírito, a graça dessa experiência renovada a cada dia, para nós e nossas comunidades, para que nossa vida exale amor e esperança, construa a paz e nos faça verdadeiros discípulos missionários, e para que ninguém mais tenha que sair por não encontrar no meio de nós o Deus da Vida.
Tania Pulier, jornalista e teóloga, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei