Quem vocês dizem que eu sou? (Lc 9,18-22)
28 de setembro de 2018“O temor do Senhor é bom e dura para sempre”.
30 de setembro de 2018Leitura: João 1, 47-51
Quando Jesus viu Natanael chegando, disse a respeito dele:
— Aí está um verdadeiro israelita, em quem não há fraude.
Então Natanael perguntou a Jesus:
— De onde o senhor me conhece?
Jesus respondeu:
— Antes que Filipe chamasse você, eu já tinha visto você sentado debaixo daquela figueira.
Então Natanael exclamou:
— Mestre, o senhor é o Filho de Deus! O senhor é o Rei de Israel!
Jesus respondeu:
— Você crê em mim só porque eu disse que tinha visto você debaixo da figueira? Pois você verá coisas maiores do que esta. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: vocês verão o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.
Oração:
Para começar a oração de hoje, contemplemos o encontro de Jesus com Natanael.
Logo no início da conversa, Natanael reconhece que Jesus é o enviado de Deus, pois lhe havia dito onde ele estivera. Ver com olhar mais profundo era característica dos profetas e Natanael reconheceu que Jesus tinha esse olhar: sem ter estado lá, vira onde ele antes se encontrava. Sim, Deus conhece todos os nossos passos… sabe os caminhos que percorremos, os passos trilhados (Sl 139, 3).
Há algo de mais instigante no olhar de Jesus, que fica evidente quando ele diz: “Aí está um verdadeiro israelita, em quem não há fraude”. Imagine ouvir isso de Jesus! Não só sabia onde estivera, mas o via por dentro, quem ele era. Deus não só conhece nossos passos todos, onde já estivemos… conhece quem somos de verdade, nosso interior e quem somos hoje (Sl 139, 2).
“Aí está um verdadeiro israelita, em quem não há fraude”. Essa frase, certamente dos maiores elogios de Jesus a uma pessoa, faz-me admirar Natanael. Antes de conhecer Jesus, já estava próximo dele, pois estava próximo do Pai. Um verdadeiro israelita era um homem ou uma mulher que estava perto de Deus… Ao elogiá-lo, Jesus está dizendo a Natanael: “Aí está alguém que está próximo de Deus, em quem não há hipocrisia e ódio, contrários de Deus, que é verdade e amor”.
A frase de Jesus ilumina a oração de hoje de forma especial, quando milhões de brasileiros e brasileiras, de diversos credos e mesmo sem religião, vão às ruas do país, instigados por milhões de mulheres que começaram um movimento mais forte de resistência e repúdio à candidatura de um deputado à presidência do país.
Por que a frase de Jesus ilumina esse momento? Porque podemos atualizá-la: “Aí está um verdadeiro cristão, em quem não há fraude”. Se hoje Jesus me visse – e nós o encontramos na Eucaristia e em cada irmã e irmão –, que diria de mim? Diria que sou um verdadeiro cristão, em quem não há hipocrisia? Ou diria que sou um cristão pela metade, um cristão enganado, um embrulho de cristão com nada ou malcheiroso por dentro? O questionamento leva a pergunta basilar: que é ser cristão? Para responder, vejamos quem Jesus era.
Um dia, Jesus disse: “Ame seu próximo como a si mesmo” (Mt 22, 39). Noutro dia, completando, disse: “Amem uns aos outros como eu amei vocês” (Jo 13, 34).
Diante da mulher pecadora, vítima da hipocrisia dos homens de seu tempo, não condenou (Jo 8, 1-11). Ele sabia que a vida e o direito pesavam mais sobre a mulher. Percebia a injustiça. Percebia os dois pesos e as duas medidas. Percebia a desigualdade de tratamento. Diante disso tudo, sensibiliza-se e ama; não condena nem torna a vida mais pesada.
Nos últimos momentos de sua vida, após ser traído, Jesus era entregue às autoridades de seu tempo. Um dos seus amigos mais próximos, tentando resistir, cortou a orelha de um dos homens do “governo”. Jesus então disse: “Guarde sua espada na bainha. Pois todo os que usam a espada, pela espada morrerão. Ou você pensa que eu não poderia pedir socorro ao meu Pai? Ele me mandaria logo mais de doze legiões de anjos” (Mateus 26, 51-53).
Na cruz, pediu ao Pai que perdoasse aqueles que o matavam (Lc 23, 34).
Esses são apenas alguns lampejos da vida de Jesus. Por eles, percebemos traços muito fortes, definidos, indiscutíveis. Em primeiro lugar, Jesus tinha olhar de amor para todos; não condenava os marginalizados de seu tempo, mas os protegia e incluía… irritava-o a hipocrisia dos grupos mais poderosos: os homens livres, os líderes religiosos ou políticos. Ele queria que as pessoas amassem umas às outras como a si próprias; e mais: que se amassem como ele tinha amado, isto é, com um amor total, um amor pleno, um amor que é vida entregue. Além disso, não era violento: quando o prendiam, repreendeu a violência de seus amigos; quando era morto, pediu perdão por aqueles que o machucavam. Esse é Jesus.
Olhando para Jesus – não o Jesus que tantas pessoas criam em sua imaginação, mas para o Jesus dos evangelhos –, percebe-se, sem dificuldade: qualquer discurso que faz apologia à violência, que incita ao ódio, que tem conteúdo preconceituoso e discriminatório é tudo menos cristão. Olhando para ele, vê-se, sem dificuldade, que palavras que ferem a dignidade das mulheres, dos negros e das pessoas da comunidade LGBT não têm qualquer compatibilidade com as palavras e vida de Jesus. Olhando para ele – o dos evangelhos –, percebe-se, sem dificuldade, que qualquer incentivo à violência como possibilidade de solução dos conflitos é tudo menos cristão.
Peçamos ao Espírito que crie em nós – e em cada brasileiro e brasileira – um coração semelhante ao de Jesus. Que tenhamos um coração no qual não há ódio, preconceitos, violência. Que não aceitemos ser governados por alguém que tenha esses sentimentos como elementos preponderantes. Quando Jesus nos vir, que possa dizer: “Aí está um verdadeiro cristão, em quem não há fraude”. Ódio, discriminação e violência são os ingredientes que fazem um cristão fraudulento, isto é, um cristão que se diz cristão, mas é só fachada. Amor, inclusão e paz são os que fazem um cristão verdadeiro. Como cristãos, temos de decidir: ou continuamos seguindo um homem que foi torturado e morto de forma tão violenta – Jesus – ou elegemos alguém que apoia a tortura e tem torturadores como ídolos. Os dois homens não podemos seguir. Os dois caminhos não podemos percorrer. As duas veredas não estão disponíveis ao mesmo tempo.
Para terminar a oração, fiquemos uns minutos com o versículo que nos lembra do que nos faz ser reconhecidos como cristãos: “Dou a vocês um mandamento novo. Como eu amei vocês, amem uns aos outros. Assim é que vão reconhecer que vocês são meus seguidores: se vocês tiverem amor uns pelos outros” (Jo 13, 34-35).