“Vocês são o sal para a humanidade… vocês são a luz para o mundo”
13 de junho de 2017A murmuração dos judeus (JO 6,51-58)
15 de junho de 2017“— Não pensem que eu vim para acabar com a Lei de Moisés ou com os ensinamentos dos Profetas. Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: enquanto o céu e a terra durarem, nada será tirado da Lei — nem a menor letra, nem qualquer acento. E assim será até o fim de todas as coisas. Portanto, qualquer um que desobedecer ao menor mandamento e ensinar os outros a fazerem o mesmo será considerado o menor no Reino do Céu. Por outro lado, quem obedecer à Lei e ensinar os outros a fazerem o mesmo será considerado grande no Reino do Céu.”
Para compreender o texto de hoje, precisamos falar algumas palavras sobre a comunidade e o Evangelho de Mateus. A comunidade mateana é formada pelos advindos do Judaísmo. Por isso, Mateus insiste muito nas Escrituras, na lei e nos costumes judaicos, submetidos a uma reinterpretação radical na obra e na pessoa de Jesus. Esse contexto ajuda-nos a entender o que, à primeira vista, pareceria estar em contradição com outros trechos do Novo Testamento, sobretudo as cartas de Paulo, inclusive a de hoje, que afirma: “Esta não é uma aliança da letra, mas do Espírito. Pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida.”
Antes de entrar no texto em si, devemos reafirmar a unidade de sentido da Escritura, interpretada para nós, cristãos, à luz da vida e dos ensinamentos de Jesus Cristo. Olhando para Ele, portanto, é que devemos compreender e, assim, harmonizar textos que, do contrário, poderiam levar a lugares distintos.
Olhemos para Jesus então. Na nossa oração, coloquemo-nos na presença dele, sejamos mais um de seus discípulos a escutá-lo e segui-lo. Os capítulos 5 a 7 de Mateus trazem o famoso “Sermão da Montanha”, conhecido sobretudo pela primeira parte, as bem-aventuranças. “Ao ver as multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se, e seus discípulos aproximaram-se dele. E, tomando a palavra, ele os ensinava.” (Mt 5,1-2) Discípulo, para Mateus, é aquele que, chamado da multidão, aproxima-se de Jesus para ouvi-lo e seguir as suas palavras. Dá, portanto, um passo a mais ao que todos vivem, para caminhar nas trilhas do Mestre. Que passos de vida são esses que o discípulo deve dar é o que Jesus ensina no Sermão da Montanha e coloca-se diante com sua vida para mostrar. Começa ensinando sobre a verdadeira felicidade. Ou seja, tudo o que dirá a seguir vai em direção a ela.
O texto de hoje, portanto, é mais um passo para viver plenamente e ser feliz. Que passo é esse? Jesus mesmo diz: “Quem obedecer à Lei e ensinar os outros a fazerem o mesmo será considerado grande no Reino do Céu.” Esse é o caminho que, porém, deve ser compreendido à luz da vida de Jesus. “Não pensem que eu vim para acabar com a Lei de Moisés ou com os ensinamentos dos Profetas. Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo.” Jesus não veio jogar abaixo toda a tradição anterior, do seu povo judeu. Veio dar o sentido completo, dar-lhe pleno cumprimento. De onde vem essa plenitude? De viver a essência de toda a Lei e de todos os ensinamentos dos profetas, como bem descobriu o doutor da Lei de um trecho que meditamos há poucos dias: “O mestre da Lei disse a Jesus: ‘Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios’.” Jesus mostrou uma relação amorosa com Deus, a quem chamava “Abbá”, Paizinho, de confiança absoluta, e uma relação fraterna com as pessoas, a quem chegou a chamar de irmãos, até o ponto de entregar a vida. Quem vive isso, seguindo os passos de Jesus, dá pleno cumprimento à lei. É o que Ele nos ensina.
De fato, a Lei de Moisés é totalmente relacional. A passagem dos Dez Mandamentos, por exemplo, começa com a seguinte declaração de Deus: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egito, da casa da servidão.” (Ex 20,2) Esse preâmbulo faz toda a diferença para compreender os “mandamentos” que o Senhor dará. São vindos do Libertador e, por isso, apontam à liberdade de quem os vive. É para viver bem com Deus, consigo mesmo, com os outros e com a natureza que o Senhor ordena o que ordena. É para o “shalom”, a verdadeira paz, harmonia das relações. A ele todos os profetas tentaram reconduzir o povo, denunciando as injustiças e anunciando a vontade de Deus para as circunstâncias concretas em que o povo se encontrava. Não são poucas vezes que aparecem trechos como este do profetas Oseias: “É o amor que me agrada, não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, eu o prefiro aos holocaustos.”
O que acontece é que, no período de Jesus, já se havia multiplicado a Lei em mais de 600 mandamentos, que os fariseus cumpriam à risca e queriam ensinar o povo a cumprir, para prepará-lo para a vinda do Messias. Além de não se conseguir, perdia-se de vista o essencial. Cumpria-se preceitos humanos, como lavar mãos, e muitas vezes deixava-se de lado os mais necessitados. Jesus escandalizava muitas vezes, ao curar aos sábados, ao deixar os discípulos comerem sem todos esses rituais de purificação etc. Tudo, porém, em prol da vida humana. O que o trecho de hoje quer ensinar é que Ele cumpriu plenamente e, seguindo-o, saímos do risco de trocar o que realmente importa (a essência da Lei e dos profetas, que tem na vida de Jesus seu sentido completo) por “triquismiques”, costumes superficiais elaborados com função pedagógica em determinadas circunstâncias e contextos, que passam longe de ser o essencial, e podem até cegar-nos para o essencial, se os tomarmos literalmente e perdermos de vista o amor.
Peçamos a Jesus, então, que nos ensine a seguir os seus passos no caminho do amor, vivendo assim plenamente a Lei e os profetas e, à luz de sua vida, discernir, a cada circunstância, costumes sociais e culturais e preceitos humanos que nos são apresentados.
Tania Pulier, jornalista e teóloga, membro da CVX Cardoner e da Família Missionária Verbum Dei